Título: Novos tempos, outros riscos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Opinião, p. A14

Há um ano, o mundo já antecipava novos riscos econômicos, ao focalizar o setor imobiliário americano. Embora o risco de crise fosse latente, no entanto, não se tinha idéia da dimensão do problema. Hoje entendemos que falharam os mecanismos que apontam aos investidores os riscos de um investimento.

Com todas as precauções no mercado acionário de governança corporativa, a pergunta que se faz é: por que não foram apontados estes riscos? Primeiramente porque a construção dos créditos alavancados realizados por fundos e bancos tem uma complexidade tal que a rastreabilidade destes créditos múltiplos nunca havia sido levantada. A saturação e a ciranda de créditos fizeram com que os múltiplos usos das mesmas garantias tenham alcançado níveis críticos, levando o sistema a uma alta fragilidade - e, evidentemente, não havia cobertura suficiente, no momento em que as inadimplências começaram a aumentar. A competição exagerada entre determinados fundos e a ousadia na construção de instrumentos de crédito fizeram com que a maravilha se transformasse em pesadelo da noite para o dia.

A boa governança corporativa demonstra que os riscos precisam ser expostos aos investidores de maneira transparente e ostensiva, para que estes possam avaliar o rendimento e os riscos esperados nos empreendimentos oferecidos. Tanto as instituições financeiras que entraram nestes fundos não fizeram uma avaliação suficientemente cautelosa, como as agências de risco também não apontaram a insustentabilidade dos mecanismos de créditos muitas vezes alavancados. A dimensão destes riscos afetou a credibilidade de grandes instituições financeiras, a ponto de levar os bancos centrais dos EUA, da União Européia e de outros países a fazer operações de alívio, para que os bancos pudessem gerenciar suas bilionárias perdas com pontes de crédito imediato.

Os bancos centrais sofreram críticas da opinião pública pela falta de controles e alertas a este desenvolvimento que, como vemos, afeta a saúde das economias desenvolvidas e em desenvolvimento. O curioso é que o auxílio às grandes instituições que apresentaram esta dimensão de prejuízo veio dos bancos centrais e dos fundos soberanos da China e da Arábia Saudita, entre outros. De repente, relativizou-se muito a crítica aos fundos soberanos, que são estatais e que, na verdade, desvirtuam o mercado investidor, pois oferecem seu capital a condições subvencionadas, de interesse político e não econômico. Qual será o papel destes fundos nos maiores bancos americanos e suíços com suas participações no capital? Como irão atuar seus representantes nos respectivos boards? Teremos que observar com atenção estes desdobramentos futuros.

Na verdade, teremos que nos questionar sobre o que aprendemos desta segunda onda de crise - a primeira foi a das ações do e-market no início desta década, da qual surgiram todas as medidas de governança corporativa. Novos tempos trazem novas oportunidades e riscos. Devemos reconhecer que os mecanismos das autoridades monetárias terão que se adequar a estas criativas construções de crédito, assim como as agências de risco terão que se reposicionar no âmbito do risco empresa e país.

Cabe aqui a instigante pergunta às agências de risco que avaliam o risco Brasil: por que motivo o risco Brasil não melhora (275 pontos) se o referencial - que são os Estados Unidos - está em pior situação de risco e o Brasil apresenta um descolamento desta crise? Preocupação maior é a busca pela tábua de salvação nas economias em forte crescimento como os BRICs: o Banco Central Europeu espera que a China, Índia e o Brasil aqueçam suas economias para que os países desenvolvidos possam aumentar o volume de exportações para esses países, amenizando assim a crise.

-------------------------------------------------------------------------------- Mercado interno de carros teve um boom em função do crédito, mas faz uma bolha que pode estourar lá na frente --------------------------------------------------------------------------------

Primeiramente, é temerário solicitar à China, que cresce dois dígitos a cada ano, que cresça ainda mais, sabendo-se que no momento ela enfrenta uma inflação anualizada em torno de 8%, que é excessiva e requer ajustes imediatos, como o aumento de juros e a valorização cambial, que desaqueceria a economia.

E nós, Brasil, estamos navegando em um mar de rosas? Temos nós algum subprime emergindo à nossa frente? A preocupação no caso do Brasil não está no mercado imobiliário e, sim, por incrível que pareça, no setor automotivo. Crescimentos anuais no mercado interno de 28% devem-se muito ao crédito concedido na compra de veículos. Parcelas de até 60 meses deveriam ser consideradas limítrofes porque um veículo com cinco anos de idade já pode ser considerado antigo, com um valor residual baixo. Ofertas de veículos a prazo, com mais de 85 prestações, significam pagar, lá na frente, por um veículo de sete anos ou mais, parcelas de veículos novos, o que explica o boom atual e o estouro da bolha lá na frente. Não é uma situação salutar.

Observando o volume destes créditos, no mínimo a Anfavea ou a Febraban já deveriam estar pisando no freio e buscando uma auto-regulação antes que o Banco Central baixe uma norma que nunca é tão boa quanto a negociada entre as partes. Por outro lado, o Banco Central hoje pode aprender com a situação aquilo que os empresários sempre lhe explicaram, quando a manutenção dos juros era justificada, pois um crescimento acima de 5% geraria inflação, porque não havia capacidade instalada no país para atender a oferta. Ora, se o setor automotivo, que é o maior do país, cresce não a 5%, mas 28%, e já anunciava que estava com capacidade tomada de 88%, como consegue atender à demanda e sem alta de preços? É porque a capacidade nominal, com a qual o Banco Central opera, não é idêntica à capacidade instalada e possível, (inclusive adicionada pela importação, que não é limitada).

Podemos aprender que se baixarmos os juros não estaremos explodindo o país em demanda, mas devemos por outro lado corrigir os excessos de crédito onde não são saudáveis.

Novos tempos, outros riscos, diferentes soluções!

Ingo Plöger é presidente da IP Desenvolvimento Empresarial e Institucional.