Título: Eleito, Lugo defende um mediador para Itaipu
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Especial, p. A16

Fernando Lugo, de barba branca, comemora em Assunção: "A primeira medida será formar uma equipe técnica [para estudar a situação de Itaipu". Um dia após ser eleito o novo presidente do Paraguai, o ex-bispo católico Fernando Lugo disse ontem que Itaipu será uma prioridade de seu governo e que formará uma equipe de especialistas para discutir com as autoridades brasileiras temas relacionados ao preço da energia e a outros pontos estabelecidos pelo tratado binacional. Ele defendeu que a discussão sobre Itaipu seja internacionalizada, convocando algum país da região para passar a atuar como mediador da questão.

Brasília tem rejeitado a idéia de revisar o acordo ou de aceitar reajustes significativos no preços da energia que adquire do Paraguai. Lugo, que fez de Itaipu o mote central de sua campanha eleitoral, afirmou ontem que nenhum país da região pode agir com "irracionalidade" e ficar preso a argumentos passados.

"A primeira medida será formar uma equipe técnica, conforme conversamos com o presidente Lula", disse Lugo.

Os dois presidente se encontraram no início do mês, em Brasília, e o mandatário brasileiro disse que, em níveis técnicos, não havia assunto que não pudesse ser discutido. "Nós nos dedicaremos agora a formar um grupo com os mais entendidos no tema, tanto energético e hidrelétrico quanto também administrativo, para poder formar essa mesa [de diálogo de técnicos]."

Segundo ele, seu objetivo é abrir uma discussão sobre "o que é Itaipu, o tratado, a administração, a transferência de energia e o que significa para nós um preço justo". "[Temos de discutir] como se faz a preço e o que significa o acordo de Foz de Iguaçu, de 1966, quando os chanceleres de ambos os países decidiram que a energia se venderia a preço justo."

Lugo é o primeiro presidente da oposição eleito no Paraguai após uma hegemonia de 61 anos do Partido Colorado, cuja candidata, a ex-ministra da Educação Blanca Ovelar, foi derrotada por uma diferença maior do que esperavam as pesquisas de intenção de voto. De acordo com resultados do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, com 92% das urnas apuradas, Lugo teve 40,82% dos votos (704.966) e Blanca teve 30,72% (530.552).

O Partido Liberal Radical Autêntico, que fez dobradinha com Lugo e é o segundo maior partido do país, é um crítico histórico das relações entre Brasil e Paraguai em torno de Itaipu. O partido elegeu o vice da chapa de Lugo, Federico Franco. Movimentos e partidos de esquerda, também da base de Lugo, fizeram da renegociação de Itaipu uma de suas principais bandeiras.

Durante entrevista que concedeu pela manhã em sua casa - um sobrado de dois quartos na Grande Assunção -, Lugo procurou muitas vezes um tom conciliador em relação ao governo brasileiro, dizendo ter esperança de que Brasil e Paraguai cheguem a um consenso e a posições justas e positivas para ambos os lados. Mas, a certa altura, disparou: "Não creio que nenhum governo da região possa se aferrar à irracionalidade. Devemos sim nos apegar à objetividade dos argumentos que serão apresentados".

Perguntado se cogita recorrer a alguma instância internacional, como o Tribunal de Haia, para reivindicar mudanças nas condições do tratado, Lugo disse que preferiria a ajuda regional, caso as conversas diretas com Brasil não avancem. "Na região, poderíamos também ter a participação de outros países que possam mediar a discussão. Teríamos de definir com o Brasil quem goza da confiança tanto do Brasil e quanto do Paraguai."

Numa quantificação aproximada, a defesa de mudanças nas condições estabelecidas pelo tratado de Itaipu ocupou algo como 60% da campanha de Lugo. No início, há cerca de um ano e meio, quando decidiu apresentar-se como candidato à sucessão do atual presidente, Nicanor Duarte Frutos, Lugo tinha reivindicações aparentemente mais duras em relação a Itaipu. Defendia não apenas "preços justos" a serem pagos pelo Brasil pela fatia de energia que pertence ao Paraguai, como também defendia a possibilidade de seu país poder vender a energia a terceiros países.

"A questão do preço não exige alteração no tratado. O presidente Lula pode aumentar os preços para o atual governo. Mas vender energia de Itaipu para outros países, isso sim exigiria mudança no tratado", disse ao Valor o embaixador brasileiro no Paraguai, Walter Pecly.

Ontem, em Acra, Gana, o próprio presidente Lula, ao comentar a eleição de Lugo, voltou a dizer que "não muda o tratado" e que ele já teve cerca de 20 reuniões como governo do Paraguai nas quais trataram não apenas de Itaipu, mas de outros pontos de interesse binacional, como fronteira e investimentos.

E, numa possível indicação de que novos reajustes podem ser considerados, Lula disse: "Nós temos muito, muito, muito para continuar conversando com o Paraguai. E vamos conversar".

O Paraguai recebe em torno de US$ 300 milhões ao ano por compensação de cessão de energia ao Brasil e por royalties da usina.

Durante a campanha, Lugo disse que havia estudos que sustentavam que o valor justo poderia chegar a US$ 1 bilhão. De toda a energia produzida por Itaipu, o Brasil consome 95%; o Paraguai, apenas 5%.

Ontem, Lugo elogiou Lula e disse considerá-lo o presidente que mais tem se aproximado do país no passado recente. Lugo disse que não partilha do sentimento de setores da sociedade paraguaia de que o Brasil atua de forma imperialista e exploradora ante o sócio mais pobre do Mercosul. "Creio que temos relações com o Brasil que temos de aprofundar e melhorar", disse, acrescentando que espera desenvolver "ligações mais solidárias, mais justas e mais fraternas, como corresponde a dois países que são irmãos."

Diferentemente dos presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Michelle Bachelet (Chile), Tabaré Vázquez (Uruguai) e Evo Morales (Bolívia), Lula não ligou ontem para o paraguaio para parabenizá-lo pela eleição. Enviou um comunicado dizendo que, "no período de mudanças que se anuncia, vossa excelência poderá contar com o apoio solidário e a amizade do Brasil e do meu governo".