Título: Posição vendida em dólar de fundo externo cresce 383% após o Copom
Autor: Guimarães , Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Finanças, p. C2

Os investidores estrangeiros que fecham negócios nos mercados derivativos de câmbio da BM&F estão sendo jogados de um lado para o outro pelo governo Lula. Enquanto o Banco Central estimula, com sua política monetária conservadora, a formação de posições "vendidas" em dólar, o Ministério da Fazenda, com as taxações de IOF à compra de títulos públicos, empurra os hedge funds para a posição de "compra". A última posição oficialmente conhecida, referente à quinta-feira, mostrava que o capital estrangeiro estava sob o efeito da decisão do Copom de iniciar com dose cavalar um novo ciclo de aperto monetário, ou seja, estava crescendo a aposta de baixa do dólar. Nos próximos dias será aferido o efeito sobre os contratos futuros da intenção da Fazenda de aumentar a taxação do IOF, hoje em 1,5%, para neutralizar o estímulo monetário dado pelo BC ao ingresso de dólares especulativos.

Depois de terem abandonado, há um mês, a posição "vendida" por causa do IOF, os hedge funds encerraram março "comprados" (aposta de alta do dólar) em US$ 4,79 bilhões nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. O relatório de inflação do BC e as notícias de que seria inevitável a decisão de alta da Selic estimularam uma revisão dessa posição. Paulatinamente, o capital estrangeiro foi passando de "comprado" para "vendido". Na quarta-feira, 16, dia em que o Copom decidiu aumentar a Selic para 11,75%, os hedge funds já estavam "vendidos" em US$ 271,2 milhões. No dia seguinte, na última posição conhecida, a posição "vendida" tinha crescido (note-se, de um dia para o outro) 383%, para US$ 1,31 bilhão. A gangorra dará mais um solavanco depois dos rumores de que, inconformada com a decisão "política" do Copom, a Fazenda planeja seu contra-ataque por meio de um IOF maior.

Embora a Fazenda concentre o seu ataque ao capital externo que prefere desfrutar da isenção de IR na compra de títulos públicos, as medidas acabam tendo influência sobre as operações realizadas no mercado futuro da BM&F. Isso porque o carry trade tem uma ponta fincada nos derivativos cambiais. E, para fazer suas apostas que rendem a variação do câmbio e a Selic os hedge funds não costumam usar apenas o capital próprio, ou seja, os recursos dos cotistas. Eles operam "alavancados", ou seja, tomam empréstimos para tornar ainda mais lucrativas (e, portanto, arriscadas, como mostraram os negócios lastreados em créditos imobiliários subprime americanos) suas tacadas. O fantástico crescimento das posições "vendidas" do dia 16 para o dia 17 mostra que esses fundos especulativos conseguiram driblar uma das principais restrições atuais à montagem do carry trade: a falta de crédito. Como os grandes bancos financiadores ainda estão retraídos por causa da crise de liquidez nos EUA, os hedge funds limitam suas operações mundo afora.

Há outra fator que restringe o carry trade no Brasil: o real já se valorizou demais. Só em abril o dólar despencou 5% e, desde o pânico registrado no dia 21 de janeiro, quando a moeda foi cotada a R$ 1,83, a queda atinge 8,7%. E o investidor externo precisa que o real continue se apreciando para não correr o risco de a variação da taxa de câmbio anular o ganho pago pela Selic. De acordo com Francisco Vasconcellos, analista independente, o diferencial de juros é apenas uma das partes a ser analisada de uma operação de carry trade, a outra parte, tão ou mais importante, é a perspectiva cambial do investidor em relação as moedas em questão. "Efetivamente a volatilidade cambial pode muito bem anular os ganhos advindos do diferencial de juros e provocar severos prejuízos", diz Vasconcellos.

Mas o que é o carry trade? Qualquer investidor pode fazer? Qual o prazo? Na semana passada as agências internacionais noticiaram que o Goldman Sachs, um dos principais bancos de investimentos dos EUA, estava recomendando a operação que consiste na venda de dólar da Nova Zelândia casada com a compra de real do Brasil. No entender do banco, será uma das aplicações mais lucrativas do ano. Na dica estão todos os elementos de um carry trade típico. A Nova Zelândia (uma economia às voltas com um pouso brusco) vai reduzir o juro de 8,25% para, na estimativa da instituição, 6%, enquanto o Brasil (na situação inversa, tendo que lidar com um crescimento indesejado pelo BC) iniciou um ciclo de aperto monetário. Ou seja, o investidor se endivida na moeda da Nova Zelândia e se torna um credor em reais. Isso é carry trade. Qualquer cotista de hedge fund pode participar da festa (ou da ressaca, se der errado). Geralmente, mesmo investidores mais sofisticados (empresas, exportadoras, fundações, seguradoras) recorrerem a hedge funds para fazer esse tipo de negócio, dada a sua especialização. Não há prazo determinado. Aqui também se segue a regra segundo a qual quanto maior a liquidez exigida e menor o prazo, maior o risco.

Os mecanismos da modalidade mais comum de carry trade são simples: o fundo toma um crédito na moeda com baixa taxa de juros. Tecnicamente, trata-se da funding currency. Depois converte o dinheiro à moeda do país que paga juros elevados (target currency ) e investe a mesma quantia na moeda alvo remunerada em elevadas taxas de juros. Como no Japão o juro básico ao ano não passa de 0,50%, o yen é a principal funding currency. E o Real, como o BC paga a maior taxa real de juros do mundo, de 7,3%, é a principal target currency.

Como explica o economista Leonardo Nunes, da Unicamp, outra versão do carry trade explora o forward premiumde uma moeda em relação a outra. Há duas transações neste tipo de carry trade. A primeira envolve a venda de moedas que possuem um forward premium, ou seja, moedas nas quais a taxa de câmbio futura é maior do que a taxa de câmbio presente (expectativa de desvalorização). A segunda transação envolve a compra de moedas com um forward discount, ou seja, moedas nas quais a taxa de câmbio futura é menor do que a taxa de câmbio presente (expectativa de valorização). Assim, as moedas que possuem um forward premium são aquelas que financiam as moedas com forward discount. "De acordo com a condição de equilíbrio dos mercados financeiros internacionais, a condição de paridade coberta da taxa de juros, o forward premium de uma moeda em relação a outra é igual ao diferencial de taxa de juros entre elas. Portanto, as moedas com baixas taxas de juros estão tipicamente com um forward premium enquanto que moedas com altas taxas de juros estão com um forward discount", explica Nunes.

O ganho da estratégia de carry trade provém do forward premium puzzle, que deriva de uma "bem conhecida anomalia dos mercados de câmbio internacionais", observa Nunes. As evidências mostram que moedas com um forward premium e que, consequentemente, têm uma baixa taxa de juros, tendem, na prática, a se depreciar e não a se apreciar, como prevê a condição da paridade dos juros descoberta. Da mesma forma, moedas que têm um forward discount e que, consequentemente, têm altas taxas de juros tendem a se apreciar e não a se depreciar. Desta forma, um investidor que implementa uma operação de carry trade obtém ganhos de duas formas: o diferencial de juros entre duas moedas e a apreciação da moeda com altas taxas de juros e que foi originalmente comprada com um forward discount. "Mudanças na oferta e na demanda das moedas induzidas pela oportunidade de explorar diferenciais de taxas de juros podem resultar em movimentos persistentes de taxas de juros", diz ele.

O carry trade tem como uma de suas partes constitutivas a participação no mercado de câmbio futuro, pois é desta forma que os recursos ingressam no país para posteriormente determinar, por arbitragem, o câmbio no mercado à vista. E vice-versa. É por isso que, se a Fazenda subir o IOF cobrado à vista, irá desestimular o carry trade futuro. Foi por medo do IOF que o dólar subiu na sexta-feira 0,78%, cotado a R$ 1,67.