Título: A inépcia do Poder Judiciário no Brasil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Legislação & Tributos, p. E2
Embora não seja recente, mas apenas relevado por autoridades benevolentes e opinião pública desarmada e desatenta, o ritmo de trabalho e produção do Poder Judiciário brasileiro está muito abaixo de qualquer tolerância em países democráticos e civilizados. E são inúmeras e complexas as razões deste, pode-se dizer, desmantelamento da prestação jurisdicional que atinge todos os escalões deste poder, desde os modernos juizados de pequenas causas, criados para socializar o direito, até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Para quantificar o problema, basta citar alguns números revelados só recentemente à opinião pública, mas de conhecimento amplo dos que militam nesta seara, tanto na esfera oficial do poder como aqueles que a ele recorrem em busca da salvaguarda de seus direitos. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde o ano passado, cerca de 1,5 mil processos são protocolados diariamente, enquanto no Supremo o número volta a bater novo recorde, registrando a entrada de cerca de 18 mil recursos só em janeiro último.
A coordenadora de auditoria da secretaria de controle interno do STJ, por intermédio do sistema Prisma, primeiro mecanismo de medição de custos do Poder Judiciário, apurou que os habeas corpus, apenas para citar uma espécie de processo, permanecem naquela casa 159 dias, ao custo médio de R$ 871,95. Agravos de instrumento, que representam 51,32% dos processos avaliados, ficaram em média 124 dias, ao custo de R$ 651,05.
Estes primeiros levantamentos contabilizaram causas que ali deram entrada a partir de abril de 2006, espaço de tempo encerrado ao fim do exercício de 2007, no total de 228.396 processos. Há variáveis de prazo e valores, mas estas ocorrências diferenciadas não modificam o resultado alcançado.
Extrapolando-se a sempre citada falta de instrumentalização humana e tecnológica deste poder, é imperioso desviar o foco desta realidade palpável e concentrar o raciocínio sobre outro ângulo do problema, talvez até mais complexo e desafiador. A legislação brasileira, em suas duas grandes vertentes - a normativa de direitos e deveres e a processual - estão absolutamente defasadas diante da velocidade com que se alteram costumes, avanços científicos e tecnológicos e a inegável e crescente interação de um mundo cada vez mais globalizado.
Desnecessário citar datas a que remontam nossos principais códigos, em todas as esferas, para perceber de pronto as gritantes diferenças entre o mundo que os gerou e a atualidade. É fato que milhares de leis, decretos, portarias e quejandos entopem os manuais tentando dar feição mais atual a inúmeras leis e processos. Eles, no entanto, embora no intuito de agilizar a prestação jurisdicional, acabam por entupir e complicar a maioria dos processos.
-------------------------------------------------------------------------------- Com a aprovação de um código de processos coletivos, ficará muito mais simples e rápido obter uma decisão final --------------------------------------------------------------------------------
É na legislação que se deve centrar o foco dos esforços para esta agilização. Impossível ignorar que algumas importantes decisões foram tomadas recentemente. A Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, que criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), introduziu duas significativas inovações processuais. A discutida súmula vinculante, que obriga instâncias inferiores da magistratura e o poder público a seguirem jurisprudência firmada pelo Supremo, e a cláusula de repercussão geral. Por esta última, esta mesma corte só pode julgar causas relevantes, que sejam de interesse de toda a sociedade e não apenas de indivíduos.
Embora tenham importância vital no que denomino socialização do direito e defendo há muito, ambas as inovações levaram dois anos para serem regulamentadas e praticamente só passaram a vigorar a partir do 2007, sendo muito recente sua utilização e difícil contabilizar seus resultados no estágio em que se encontra seu real emprego.
Neste terreno, há um anteprojeto de lei que cria o Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado após inúmeros debates e estudos em universidades, associações, órgãos públicos e diferentes entidades ligadas à matéria, com presença de doutorandos, pós-graduados e professores, e que, em nosso entender, quando aprovado promoverá um substancial enxugamento e diminuição dos julgamentos de diferentes processos sobre a mesma matéria, em primeira e segunda instâncias. Nesta última, por exemplo, milhares de processos aguardam a vez de serem julgados, principalmente em matéria tributária e também quando o réu é o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na maioria das vezes tendo por causa o mesmo objeto.
Como diligente e atuante operador do direito, após detalhados estudos e consultas a renomados mestres da matéria, entendo que, com a aprovação de um código de processos coletivos, ganharemos todos. Ficará muito mais simples e rápido obter uma decisão final, considerando-se a inevitável unificação das decisões em relação às mesmas matérias.
Há muito a ser feito e esse código incentivará discussões sobre outros pontos de suma importância para a prestação jurisdicional. Entre eles, apenas para citar um, a questão da prova pré-constituída em que o modelo em vigor permite uma escandalosa soma de decisões contraditórias, com referência à apresentação de provas desta natureza, quando uma entidade de classe ingressa como substituto processual através de um mandado de segurança coletivo. Este é apenas um exemplo da enorme soma de entraves e dificuldades que se antepõem entre o indivíduo, a coletividade e o direito.
Como em toda a matéria de evidente complexidade e amplo alcance, muitos debates serão travados antes de uma decisão juridicamente perfeita. O que não se pode aceitar e tampouco compactuar é que matérias desta natureza sofram o mesmo descompasso de tempo que sofreram a súmula vinculante e a cláusula de repercussão geral, que só agora, após tantos anos de apresentação da matéria ao Congresso Nacional, começam a surtir os primeiros efeitos no imprescindível desafogamento da Justiça brasileira.
Dimas Alberto Alcantara é advogado tributarista especializado em ações coletivas e diretor do escritório Alcantara Advogados & Associados
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