Título: De tijolo em tijolo
Autor: Fregoni, Silvia ; Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, EU & Investimentos, p. D1

Se já existisse um índice de ações do setor imobiliário, como deseja criar a Bovespa, o indicador teria perdido 20,3% nos quatro primeiros meses do ano, ante valorização de 1,6% do Índice Bovespa até dia 18. No longo prazo, o desempenho teria sido melhor, em função da euforia dos investidores com as ofertas de ações. Do início de 2006, quando as empresas do ramo imobiliário começaram a ingressar aos borbotões no pregão, até agora, o índice teria subido 255,6%, batendo de longe os 94,1% do Ibovespa.

O índice ainda não foi criado, mas, a pedido do Valor, os economistas Bernardo Fonseca Nunes, Caio dos Santos e Maria Fernanda Santin, da metalúrgica gaúcha Zamprogna, fizeram uma prévia do que o setor imobiliário reserva aos investidores: o trabalho dá uma idéia do que pode ser a carteira em elaboração pela Bovespa. A bolsa inicia no dia 2 consulta pública para receber sugestões sobre o novo indicador.

Para simular um índice imobiliário, os economistas basearam-se na metodologia do Índice de Energia Elétrica (IEE) e consideraram todas as companhias dos setores e subsetores do ramo: construção civil, construção pesada, intermediação imobiliária, materiais de construção, além do segmento de exploração de imóveis, onde estão as empresas de shoppings centers.

De uma amostra inicial de 50 companhias, eles excluíram as que tinham baixa negociabilidade pelos critérios do IEE (como ter menos de 70% de presença nos pregões). Sobraram 36, que receberam igual peso na composição. "Não fazia sentido usar critérios de liquidez ou capitalização, pois o setor é novo e sem histórico significativo de transações", diz Nunes.

Considerando a performance do índice desde o início de 2006, o melhor resultado teria sido alcançado no primeiro quadrimestre do ano passado, com alta de 63,2%. Naquela ocasião, o indicador contaria com 13 empresas. No quadrimestre seguinte, de maio a agosto, teria subido 23,6%, acima dos 11,6% do Ibovespa. No último quadrimestre, porém, começaria a derrocada - o índice apresentaria queda de 5,5%, ante ganho de 16,9% da bolsa -, tendência que que se acentuaria neste ano.

"As ações caíram principalmente porque algumas empresas não entregaram o que prometeram e porque a aversão ao risco levou os estrangeiros a vender os papéis", afirma Tomas Awad, analista da Itaú Corretora. Os estrangeiros foram os principais compradores das ofertas iniciais de ações nos últimos anos, levando cerca de 75% dos papéis vendidos pelas companhias brasileiras. Quando a crise externa estourou, eles passaram a se desfazer de ações em todo o mundo e, na Bovespa, as novatas foram as que sentiram mais.

Também houve certo contágio setorial. Apesar de as empresas imobiliárias brasileiras não terem relação com o colapso das hipotecas nos EUA, a crise do "subprime" pegou na veia das companhias locais. "Os estrangeiros saíram totalmente do risco imobiliário, sem discernir que o nosso sistema é bem menos alavancado do que o americano e que muitas companhias costumam financiar seus clientes com caixa próprio", diz André Segadilha, gerente de análise da Prosper Gestão.

A recuperação dos papéis ainda não começou. Embora o cenário seja de crescimento da economia e do setor, o desempenho dependerá de resultados, das perspectivas para a expansão de cada uma delas e da liquidez das ações.

Um fato que justifica a criação de um índice imobiliário é o tamanho que o setor alcançou no mercado. Em número de companhias já é o maior. Os setores de energia elétrica e telecomunicações, que já têm índices, são menores em quantidade, mas, em valor de mercado, é o ramo imobiliário que deixa a desejar: R$ 56,7 bilhões, em comparação aos R$ 128,3 bilhões do setor elétrico e aos R$ 127,3 bilhões do índice de telecomunicações.

O indicador imobiliário que comportaria potencialmente 36 empresas hoje, pode, entretanto, passar a ter metade disso em pouco tempo. Isso porque a expectativa é de consolidação. "As empresas que precisarem de caixa para crescer e não conseguirem fechar bons acordos com os bancos poderão ser compradas, embora essa não seja uma receita pronta", diz Awad, do Itaú. "Não há espaço para 20 empresas grandes no setor, talvez algo entre 5 e 8, além das que atuam em nichos."

Aquelas que têm fracos resultados nos empreendimentos podem ficar sem fôlego para crescer. Por isso, acredita-se em uma seleção natural neste ano e no próximo. As mais eficientes, independentemente do tamanho, vão tomar a dianteira nesse movimento. As grandes - como Cyrela, que teve receita líquida de R$ 1,7 bilhão em 2007, Gafisa (R$ 1,2 bilhão), Rossi (R$ 733 milhões) e Multiplan (no ramo de shopping centers, R$ 336,4 milhões) - deverão ser protagonistas naturais no processo.

No ramo residencial, aquelas que têm estratégias voltadas para as classes menos favorecidas é que tendem a deslanchar. A PDG Realty, que direcionou 58% dos empreendimentos ao segmento econômico no primeiro trimestre, é recomendada pela Fator Corretora, com preço alvo de R$ 29,16. Segundo os analistas Renato Pinto e Eduardo Silveira, a empresa, que registrou receita de R$ 552 milhões em 2007, mantém neste ano o ritmo de lançamentos e excelente velocidade de vendas.

Já as companhias menores e não especializadas podem ficar na mira das demais. A analista Cristiane Viana, da Ágora, acredita que a Klabin Segall, por exemplo, deve conseguir cumprir as estimativas de crescimento, mas, ainda assim, pelo tamanho, poderá ser alvo. "Vejo-a mais como caça, porque é atrativa e tem menor porte", afirma. A ação ON da empresa tem recomendação de compra pela analista, com preço alvo de R$ 18,33 para o fim de 2008.

Mesmo as grandes do setor tendem a enfrentar obstáculos no processo de crescimento. A competição na baixa renda, a alta dos juros e um possível aumento da inadimplência são os principais riscos para Gafisa ON (alvo a R$ 44,00), que consta nas recomendações de Vitor Galliano, da HSBC Securities.