Título: Governo vai alterar a tributação de petróleo e gás
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2008, Brasil, p. A3

Edison Lobão, ministro das Minas e Energia: "Percebo um clamor nacional no sentido de uma melhor distribuição" A descoberta de reservas gigantes de petróleo na camada pré-sal da costa brasileira fará o governo mexer na tributação do setor. Não há pressa em concluir os estudos, mas já existem avaliações preliminares: a forma mais rápida e viável de mudança é preservando o modelo atual, de contratos de concessão, com um decreto presidencial aumentando as participações especiais (tributo que varia de 10% a 40% e é cobrado só de campos com alta produtividade).

Esses pagamentos, hoje concentrados excessivamente no caixa do Estado e municípios do Rio, devem ser mais bem distribuídos. Além disso, as gerações futuras precisam beneficiar-se da exploração dos recursos naturais recém-descobertos - o que, na prática, significa criar vinculações para destinar os royalties a investimentos em infra-estrutura ou a um fundo para uso futuro, em vez de gastos com custeio ou despesas supérfluas.

Essas avaliações foram feitas ao Valor por duas importantes autoridades do governo na área energética. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que "os técnicos estão estudando" a melhor forma de atualizar a legislação do setor. Ele disse não ter formado convicção sobre o regime de exploração mais adequado à nova realidade brasileira: contratos de concessão, partilha da produção ou prestação de serviços. Mas adiantou que a redistribuição de royalties é um tema a ser tratado.

"O petróleo não pertence a A, B ou C. Então, é bom que todos participem. É razoável e justo que municípios e Estados onde o petróleo foi encontrado se beneficiem, mas a concentração existe hoje e percebo um clamor nacional no sentido de melhor distribuição", disse Lobão ao Valor, fazendo a ressalva de que não se trata de uma posição fechada. "Só sou a favor da democratização dos bens", esclareceu.

Em dois meses, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado apresentará proposta de redistribuição dos pagamentos. O presidente da CAE, Aloizio Mercadante (PT-SP), vê inconsistências na divisão atual dos royalties e participações especiais, em que o Rio fica com 86% dos recursos entregues aos Estados e nove prefeituras fluminenses têm 62% do que é distribuído aos municípios.

Para não diminuir as receitas ao Rio, a proposta do Senado deverá prever um "mecanismo de transição", segundo Mercadante, em que o Tesouro do Estado e dos municípios fluminenses continuarão recebendo a mesma fatia dos royalties pagos atualmente, mas ficarão com parte menor do bolo futuro, advindo dos megacampos.

É certo que qualquer redistribuição das receitas do petróleo e do gás natural enfrentará resistências de bancadas de Estados, além do Rio, como Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte, hoje beneficiados. O deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), titular da Comissão de Minas e Energia, diz que a Câmara insistirá na aplicação mais criteriosa das receitas petrolíferas, que hoje financiam desde shows musicais até calçadões. Ele também está preocupado com o uso indiscriminado dos royalties no pagamento da folha de pessoal de municípios. "Eles não podem servir para gastos de custeio", frisou.

A discussão sobre como distribuir os royalties e o regime de exploração das reservas brasileiras está sendo feito por grupo coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, que parte da seguinte pergunta: uma vez constatado o real volume aproximado das reservas recém-descobertas, qual será o ritmo de exploração delas? Isso implica decidir se compensa produzir aceleradamente no médio prazo (com vistas a incrementar a exportação) ou produzir menos e guardar o grosso das reservas para uso posterior, assumindo o pressuposto de que o petróleo será recurso natural cada vez mais estratégico e, diante da possível escassez em décadas, mais valorizado.

Uma coisa é consenso dentro do governo: mudou o nível de risco de exploração do petróleo no país e tornou-se provável, para uma empresa petrolífera, encontrar óleo em abundância em boa parte da camada pré-sal, no território que vai do Rio a Santa Catarina. Sem risco, o sistema regulatório precisa mudar. Em princípio, o modelo mais indicado, na visão preliminar do governo, é elevar a cobrança de participações especiais, definida em decreto, sem a necessidade de ajustes na Lei do Petróleo, de 1997.

O regime de prestação de serviços é visto como afugentador de investimentos estrangeiros e, portanto, o menos desejado. Mas avalia-se também o sistema de partilha da produção. Nesse regime, as empresas que exploram petróleo no país entregam quantidades volumosas - às vezes mais de 80% - da produção a uma estatal.

O Brasil teria uma excentricidade se adotasse esse modelo com uma estatal, a Petrobras, com capital aberto e ações em bolsas internacionais. Como fechar o capital da Petrobras seria inviável, a alternativa para adotar a partilha seria criar uma nova estatal, menos operacional e mais gerencial. Ou seja, não furaria poço, mas representaria a União, tornando-se "guardiã" dos recursos petrolíferos, ficando com parte do óleo produzido pelas companhias, Petrobras ou multinacionais. Até agora, contudo, segundo fontes do governo, tudo são apenas hipóteses teóricas.

A ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, reagiu com perplexidade à pergunta sobre a possibilidade de o governo criar uma nova empresa estatal petrolífera, após as descobertas de novas áreas de exploração na camada do pré-sal. "Nunca escutei uma história dessa!", disse. (Colaborou Cláudia Safatle, de Brasília)