Título: Estados e municípios querem alterar distribuição das receitas do petróleo
Autor: Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2008, Brasil, p. A4
A explosão no preço do petróleo e a perspectiva de forte aumento na produção brasileira, provocada pelo anúncio de novos campos com grande potencial de exploração, coloca o Brasil em outro patamar de discussão sobre o papel dessa indústria no desenvolvimento nacional. O ganho com a exploração continuará concentrado nos Estados e municípios próximos aos campos ou há formas de distribuir mais a receita vinda de royalties e participações especiais?
De 1999 para cá, os repasses de royalties saltaram de R$ 980 milhões para R$ 7,5 bilhões. Os municípios são os que ficam com a maior fatia, R$ 2,5 bilhões, quantia concentrada principalmente nas cidades fluminenses (R$ 1,7 bilhão). As participações especiais, pagas sobre o excedente de produção, também aumentaram, de R$ 1 milhão, em 1999, para R$ 7,2 milhões no ano passado. Segundo Marco Tavares, sócio-diretor da consultoria Gás Energy, está na hora de pensar formas de dividir essa rentabilidade, mas mexer na lei vigente, como tem sido defendido por políticos, pode atrapalhar os negócios do país, ao gerar insegurança entre os investidores. "A discussão é válida, mas num momento em que há perspectiva de aumento da produção não seria bom criar insegurança nos negócios", diz ele.
Esse aumento de receitas tem despertado o interesse de Estados, como São Paulo, que teve por pouco tempo a esperança de ter o campo de Tupi - com estimativas de reservas de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo - em seu território e hoje encabeça a discussão sobre uma revisão dos critério de distribuição dos royalties. Em Brasília, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) comprou a briga e essa semana foi formada uma subcomissão, dentro da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, para tratar do assunto. Na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, por sua vez, há pelo menos 20 deputados reunidos em uma frente com objetivo de formular uma proposta que abranja tanto a revisão dos critérios geográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a divisão dos royalties, quanto a definição de regras para o uso futuro dessa verba no Estado.
O deputado estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) é claro ao justificar o interesse em levantar essas questões hoje: "Os valores envolvidos em royalties são muito maiores do que antes". José Elias Abu Hiss, diretor-executivo em exercício da Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem), diz que a região está acompanhando de perto a discussão e acredita que há espaço para mudanças. "A tendência é que tenham mudanças tanto na distribuição quanto nas regras de destinação das verbas", diz ele. Por enquanto, porém, nem o Estado nem os municípios têm uma proposta formulada sobre quais seriam as alternativas.
A discussão ganha força em "brechas" existentes na legislação do setor. Para locais que recebem royalties de 5% da produção, está definido que "municípios confrontantes" aos poço e "suas respectivas áreas geoeconômicas" têm direto aos royalties. Essas áreas são divididas em três zonas - principal, secundária e limítrofes -, e dependendo de onde a cidade se encaixa, ela recebe mais ou menos repasses.
Na zona principal estão os municípios confrontantes e os que possuem três ou mais instalações ligadas à produção de petróleo e gás. Essas instalações vão desde refinarias a aeroportos, o que dá espaço para distorções. Segundo Amanda Cunha, advogada especialista em direito do petróleo e gás do escritório Araújo e Policastro Advogados, hoje há 65 municípios que recebem royalties com base em decisão judicial. "Isso dá a dimensão de como a regra não é clara", diz ela.
Nas zonas secundárias estão as cidades atravessadas por oleodutos e gasodutos, e nas limítrofes, as que fazem fronteira com os municípios confrontantes e as que sofrem consequências da atividade. Mas que consequências são essas? "É por isso que há tanta briga", diz Amanda.
Para os locais que recebem royalties acima de 5% da produção, as regras são diferentes. Os Estados e municípios confrontantes aos campos compartilham 45% dessa receita. Cidades afetadas pelo embarque e desembarque dos produtos ficam com 7,5%. Essa diferença é o grande alvo de críticas hoje. "Queremos equalizar a distribuição, pois há diferenças absurdas de repasse, inclusive entre cidades vizinhas", diz o deputado Barbosa.
A advogada Maria D'Assunção Costa, especialista em regulação de energia, gás e petróleo, acha que o movimento hoje de contestação da legislação era esperado, já que quando ela foi formulada, a quantidade de Estados e municípios envolvidos na atividade era menor, assim como a produção. "De 1997 para cá muita coisa mudou, e hoje falta clareza para entendermos o que a lei quer dizer com área afetada pela atividade", diz ela.
Segundo a advogada, a revisão da lei seria interessante se servisse para deixar mais claros os seus critérios e evitar a necessidade da Justiça definir caso a caso. "A distribuição de royalties é resultado de um pacto federativo em que as partes decidem o que acham razoável. É uma conciliação de interesses, não existe uma porcentagem justa", diz a especialista.
Como exemplo de uma alternativa, Tavares, da Gás Energy, cita a Noruega, que utilizou o aumento de arrecadação com royalties para criar um fundo de investimento em infra-estrutura em todo o país, e dessa forma conseguiu contemplar uma parte maior da população.