Título: Brasil e Índia, uma parceria que promete
Autor: Fonseca , Roberto Giannetti
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2008, Opinião, p. A12

A revolução econômica asiática modificou as "placas tectônicas" da economia mundial nesse início de século. Ao Brasil, país que na esfera política gravita no hemisfério americano, mas que no comércio externo é um global trader, cabe olhar a revolução econômica asiática separando bem o joio do trigo.

Ao contrário da China, cujo crescimento muitas vezes pressupõe a desindustrialização de seus concorrentes, a ascensão da Índia não produz necessariamente um cenário de declínio dos emergentes, uma vez que sua matriz econômica aposta nos serviços, a produção é voltada majoritariamente para o mercado interno e o dumping social não é marca de sua inserção internacional.

A ascensão da China é um jogo de soma zero. Com a Índia o jogo é bem diferente. O desenvolvimento da Índia se desdobra na construção de duas agendas complementares, uma doméstica e outra internacional.

No aspecto interno, o plano indiano é reformar suas instituições sociais e econômicas, urbanizar o perfil demográfico e universalizar sua prosperidade econômica, de modo que a miséria - essa verdadeira instituição social indiana - possa ser resgatada de seus séculos de recorrência.

O que se vê, como resultado desse processo, é a transição de um tipo de sociedade autárquica e conservadora para outra, moderna e evolutiva, por meio da destruição de certos tipos de relações sociais, baseadas na tradição e no costume, e a construção de outras em seu lugar, baseadas nas relações de produção e de mercado. Assim, o regime de castas dá lugar às classes econômicas, o encantador de serpentes dá lugar ao yuppie de Bangalore.

A partir das reformas liberais de 1991, a Índia passou de uma economia fechada, protecionista e cartorial, para uma estrela econômica entre os emergentes, "a democracia que mais cresce no mundo". O setor de software exportou, em 2006, cerca de US$ 60 bilhões. As "Três Grandes" da tecnologia da informação - a Infosys, a Wipro e a Tata Consultancy Services - podem ser comparadas à Microsoft, a IBM e a Sun da Índia. Mais de 90% do faturamento das grandes empresas de tecnologia vêm das exportações.

O país produz, anualmente, 2,5 milhões de bacharéis, dos quais 250 mil são engenheiros. E estima-se a existência de um déficit de 500 mil atualmente, nos informa o recém-lançado livro de Patrícia Campos Mello sobre a Índia.

Segundo um relatório da Consultoria McKinsey, nos próximos 20 anos a classe média indiana crescerá do atual nível de 5% da população para mais de 40%, criando o quinto maior mercado de consumo mundial. Esse fenômeno confunde-se com o processo de urbanização do país, que sairá dos atuais 29% da população vivendo nas cidades para 45% em 2030, uma migração interna, com exceção a China, sem paralelo na história da humanidade.

-------------------------------------------------------------------------------- Brasil é importante para a precária segurança alimentar indiana e pode unir-se ao seu esforço de internacionalização --------------------------------------------------------------------------------

Se mantidas as reformas econômicas em curso na Índia, entre 200 e 300 milhões de pessoas deverão migrar da pacata e miserável vida rural de subsistência agrícola para a vida urbana e consumista de classe média emergente, com novos hábitos de consumo e produção.

Para se ter uma idéia do fenômeno, se apenas 2% da população hindu atingir, nesse período, um padrão de renda superior a US$ 20 mil, teremos adicionado um contingente populacional superior ao da Austrália ao mercado indiano.

Esse movimento em direção à modernidade, que passa pela construção e consolidação de uma sociedade urbana, implica no realinhamento das relações políticas e econômicas da Índia e numa redefinição de parceiros e estratégias no cenário mundial. Não é outro o significado da visita da presidente da Índia, Pratibha Patil, ao Brasil, nesta ultima segunda-feira - fato que mostra a importância atribuída, pelos indianos, à parceria com o Brasil.

Nossos países já possuem alianças em diversos foros internacionais. Na Organização Mundial do Comércio temos o G-20, para combater os subsídios agrícolas dos países desenvolvidos; na Organização das Nações Unidas (ONU) lutamos pela reforma do Conselho de Segurança.

Temos um incipiente acordo de preferências comerciais, que pode ser incrementado pelo foro trilateral formado pela Índia, Brasil e África do Sul (Ibas). Além disso, estamos lado a lado nas negociações do Sistema Geral de Preferências Tarifárias (SGPC).

Os indianos percebem no Brasil um país e parceiro que se enquadra na sua visão de mundo, que tanto pode garantir a sua precária segurança alimentar, como também é líder mundial na exportação de energia renovável com o etanol, e que, além disso, pode unir-se ao esforço indiano de internacionalização de sua economia, através de joint ventures, por exemplo, nos setores de Tecnologia Industrial (TI), siderúrgico e farmacêutico.

A Índia já nos deu, no passado colonial, duas de suas jóias nativas: a cana-de-açúcar e o gado zebu - hoje em dia duas das maiores promessas do agrobusiness brasileiro. Queremos retribuir o presente selando uma nova aliança que transcenda à economia e se desdobre na política e na cultura. Duas democracias, dois países continentais, dois parceiros - uma união que promete.

Roberto Giannetti da Fonseca, empresário, é diretor titular do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp.