Título: Desvios e corrupção pioram cenário na Ásia
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Fonte: Valor Econômico, 18/04/2008, Especial, p. A14

Desvio de alimentos e corrupção em programas estatais para os pobres estão ampliando os estragos da alta do arroz e levando autoridades a agir contra especuladores em várias partes da Ásia.

Na Índia, a polícia tem feito blitze em armazéns ao redor de Nova Déli e Mumbai para evitar que traders escondam grandes estoques que eles supostamente já planejam pôr no mercado quando o arroz subir ainda mais. Autoridades tailandesas têm feito o mesmo e já aumentaram a segurança para evitar roubo de estoques do governo.

Nas Filipinas, a presidente Gloria Macapagal Arroyo ordenou, esta semana, a suspensão da venda de arroz subsidiado em mercados públicos onde há muito roubo - e alistou a Igreja Católica para ajudar a distribuir o produto. Agentes da Polícia Federal foram sacados de suas tarefas habituais de perseguir seqüestradores e suspeitos terroristas para combater quadrilhas de estocagem de arroz.

Há vários fatores por trás da recente alta do arroz, como o maior consumo na China e na Índia, seca na Austrália e pragas no Vietnã. Mas a estocagem especulativa e o roubo ajudam a explicar a impressionante velocidade da alta, que provocou protestos no Egito e várias partes da Ásia e levou à renúncia do primeiro-ministro do Haiti.

Nas Filipinas, um esquema comum é reembalar arroz barato do governo para vender mais caro no mercado - um artifício especialmente prejudicial para os pobres.

"Mesmo se você tem um emprego, o salário não dá para alimentar a família toda. Os preços de enlatados também estão subindo", diz Nelson Havana, um zelador de 39 anos. Ele estava pensando em mudar para mingau de arroz enquanto esperava por sua ração de arroz subsidiado.

O arroz exportado pela Tailândia - um parâmetro internacional - chegou a US$ 1.000 a tonelada ontem. Custava US$ 360 no começo do ano. Alguns observadores acham que os preços seguirão subindo pelo menos até novembro.

Antes do novo recorde, Vichai Sriprasert, presidente da exportadora tailandesa Riceland International, dizia estar quase certo de que o arroz chegaria a US$ 1.000 a tonelada. "A questão é: até onde vai subir além disso?"

A resposta pode depender, em certa medida, de pessoas como Ricardo Díaz, diretor da divisão de inteligência da NBI, a Polícia Federal das Filipinas. Díaz foi recentemente apontado para dirigir os esforços contra quadrilhas de estocagem especulativa de arroz.

"O arroz se tornou muito importante, e o governo está nos nossos calcanhares", diz ele em seu escritório. "Vamos ter de fazer alguns milagres aqui se quisermos tornar o arroz acessível para as pessoas comuns novamente."

Díaz lançou seu primeiro ataque dia 28 de março. Agentes da NBI e a agência governamental de alimentos fizeram uma batida num armazém em Cidade de Valenzuela, perto de Manila. Antes da batida, agentes disfarçados filmaram pessoas no armazém transferindo arroz subsidiado para sacos destinados ao mercado comercial.

No dia da ação, eles encontraram 1.600 toneladas de arroz. Díaz contou as unidades no empoeirado prédio de concreto: 18.236 sacos de arroz subsidiado, 7.000 de arroz de nível comercial e 7.500 sacas de arroz importado da Tailândia. No mercado aberto, a mercadoria somaria pelo menos US$ 750.000 à época - ou US$ 1,6 milhão pela cotação de ontem.

"As pessoas que controlavam o negócio estavam pegando o arroz subsidiado, beneficiando de novo para parecer mais branco e reembalando como arroz comercial", diz.

Jun Santiago, que mora na região, diz que muita gente sabia o que acontecia no armazém, que pertence a uma mulher chamada Eleanor Rodriguez, e sua pequena trading, a MetroGrain Marketing Inc. Mas ele afirma que o pessoal tinha medo de contar à polícia local por suspeitar que os policiais estavam tendo uma fatia dos lucros.

"Alguns de nós estávamos com muita raiva do que estava acontecendo ali. Há muita pobreza nesta região", diz Santiago, apontando para uma seqüência de barracos que vendem latas de sardinha, xampu e pasta de dentes.

Terça-feira, a NBI recomendou o indiciamento do dono do armazém e mais dez pessoas por fazerem estoque especulativo de arroz subsidiado - um crime definido nas Filipinas como manter estoques 50% acima dos níveis normais. Investigadores também acusaram Rodriguez de reembalar arroz subsidiado para vender no mercado comercial.

Rodriguez não pôde ser contatada para comentar. Sua advogada, Solomon Condonuevo, disse à NBI numa resposta por escrito a que o "Wall Street Journal" teve acesso que nem todo o arroz pertencia a Rodriguez e que havia um grande estoque de arroz no armazém por causa de problemas mecânicos não especificados e interrupções causadas pelos feriados de Natal e da Páscoa. Condonuevo pediu que o processo seja encerrado.

(Colaboraram Niraj Sheth em Nova Déli e Prasenjit Bhattacharya em Cingapura)