Título: Bancos elevam spread e juro sobe
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 18/04/2008, Finanças, p. C1

Mariana Vieira, gerente da concessionária Eurobike, especializada em veículos importados, sentiu ontem mesmo os impactos da alta da Selic. As novas tabelas dos bancos começaram a chegar na terça-feira, um dia antes do anúncio da nova taxa básica de juros. Como 80% das vendas são feitas com financiamento, o aumento já dificultou os negócios.

"Já perdi venda porque o cliente queria os preços antigos", afirma. Em média, as altas foram pequenas, já que a elevação das taxas já vem sendo feita desde o início do ano. "Em alguns contratos que já havíamos passado para os bancos antecipadamente, conseguimos as taxas antigas, mas o novos já sofreram reajustes."

Os bancos elevaram entre 1,2 e 1,7 ponto percentual a taxa anual, que em média está na casa dos 15% ao ano para esse segmento de alta renda. Apesar do aumento, Mariana mantém o otimismo. "Acredito que as vendas não serão tão afetadas porque o aumento não foi tão grande."

Segundo ela, uma das saídas foi dar desconto no carro, tirando margem da revenda. Outra opção foi alongamento dos prazos de financiamento, par diluir a alta dos juros.

"Nos veículos as taxas vão subir, mesmo, não tem jeito, as margens são muito pequenas", afirma José Arthur Assunção, vice-presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Segundo ele, o ganho dos bancos no segmento gira em torno de 3%. Já as taxas médias, em fevereiro, para o financiamento de automóveis estavam em 31,2% ao ano. Desde o início do ano a alta foi de 2,4 pontos percentuais.

As empresas também já sofrem para conseguir empréstimos. Sem perder tempo, as tesourarias dos bancos já trabalhavam ontem com um spread mais elevado (diferença entre o custo de captação e de empréstimo).

No mercado de médias empresas, conhecido como "middle market", a alta foi a partir de 0,1 ponto percentual. "As operações que já haviam sido fechadas, foram mantidas, mas novas operações já tiveram alta, que foi leve, num primeiro momento", afirma Ricardo Mello, diretor de crédito do Banco Máxima.

Empresas de um porte maior, com um faturamento superior a R$ 100 milhões e com bons recebíveis para oferecer como garantia, antes conseguiam empréstimos de seis meses com piso de 0,6 ponto percentual acima do CDI. Ontem, o piso foi de 0,7 ponto.

Num primeiro momento, a alta foi pequena, pois os bancos abrem mão da margem para liquidar operações que já estavam sendo negociadas. Mas novos ajustes devem acontecer nas próximas semanas. O repasse pode chegar a 80% da alta dos custos de captação. "Independente do Copom, o mercado está estressado e a captação está mais cara para todo mundo", completa Mello.

Segundo levantamento do Valor Data, com dados da CMA, os empréstimos de desconto de duplicata registraram ontem alta de 0,12 ponto percentual da taxa efetiva anual. Mesma elevação aconteceu no capital de giro.

A alta de 0,5 ponto percentual da Selic, para efeito de crédito, tem impacto pequeno, pois o piso dos empréstimos, os juros futuros, já vinha subindo desde o fim do ano passado, inicialmente por conta da turbulência externa, depois, pela própria expectativa de alta da Selic. "A curva de juros já vinha com alta. A decisão do Banco Central apenas sancionou o que já havia ocorrido", disse Silvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin.

Cláudio Coutinho, diretor do Banco CR2, lembra, no entanto, que a alta foi um pouco acima do esperado. Prova disso é que a taxa do Swap de 360 dias voltou a subir hoje, de 12,89% para 12,95%. Mas o que realmente vem preocupando, segundo ele, é a alta nos custos de captação. "É mais preocupante do que o próprio Copom. O crescimento do crédito pode ficar comprometido", afirma.

Alguns bancos notaram inclusive que ao longo dessa semana empresas que estavam para fechar operação, negociando taxas, se apressaram para fechar rapidamente o negócio, com medo de uma alta dos juros.

Na pessoa física, o repasse é ainda maior, até porque os bancos podem diluir as altas em um prazo mais alongado. No crédito pessoal, por exemplo, os aumentos superam até a alta da Selic, para compensar as perdas em outros produtos, como o consignado.

O empréstimo com desconto em folha, aliás, parece ser a exceção neste momento. "Com a alta de ontem do Copom, os juros futuros mais longos deram uma recuada e permitiram até mesmo um alívio para os bancos menores", afirma o diretor do Máxima.

Esse aumento das taxas pode ter ainda outra conseqüência mais negativa: a inadimplência. "É uma equação matemática: aumenta a taxa de juros, aumenta a inadimplência", afirma Cláudia Anira, gerente de soluções para bancos da Equifax, empresa de análise de risco.

Desde o início do ano, os bancos têm migrado para um publico mais seletivo, buscando menores riscos. "As regras e estratégias macro para o crédito não mudam, mas são alterados os parâmetros de análise de risco. Mudam a linha de corte."

Isso acontece porque, com o dinheiro mais caro, a renda fica mais comprometida do que já estava. Estimativa da Equifax indica que o comprometimento de renda nas classes baixas e médias chega a 80%. Ou seja, aproximadamente R$ 800 de uma renda de R$ 1 mil são gastos com parcelas todo o mês para pagar, geladeira, fogão, celular etc.

Odilio Figueiredo Neto, diretor do Banco Morada é categórico: "A gente fica mais seletivo. Tomador pagando mais caro é sempre sinal de atenção". Segundo ele, esse é o pior cenário, pois os bancos precisam trabalhar com queda das margens em um ambiente de maior risco.