Título: 2008 não fará feio no crédito
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2008, Opinião, p. A18

Desde agosto de 2007, "soluços" originados na crise do subprime assustam os mercados e geram incertezas e movimentos de correção em todo o mundo. O Brasil não ficou imune a eles. Temos sofrido alguns sustos que se traduziram em aumento de volatilidade. Mas muito pequenos, frente a outros episódios de turbulência. E pouco - ou quase nada - se comprometeu do desempenho das principais variáveis econômicas. Houve quem decretasse o fim dos bons ventos e, principalmente, a interrupção do processo de expansão do mercado de crédito doméstico como reflexos diretos da crise americana. Os números fechados de 2007 desmentiram essas previsões. E, no caso do mercado de crédito, o desmentido foi ainda mais forte. O ano terminou com dados positivos em todas as dimensões: juros, spread, volume, inadimplência e prazos, mostrando que, nesse campo, pouco se sentiu da turbulência dos mercados financeiros mundiais.

O mercado de crédito brasileiro vem surpreendendo de forma positiva nos últimos anos. E isso não veio de graça. Esse mercado é o grande termômetro da importância - e da eficácia - dos avanços que pautaram a agenda microeconômica brasileira desde 2000. Seu desenvolvimento é, portanto, a maior prova da importância do fortalecimento institucional e, certamente, da estabilidade macroeconômica.

Em 2008, entretanto, é cada vez mais evidente um ajuste mais forte da economia americana, o que levanta dúvidas sobre o impacto dessa reversão sobre o Brasil. Os riscos de descasamento entre oferta e demanda domésticas e a provável elevação da Selic também sugerem um ano menos positivo para o mercado de crédito. No entanto, a perspectiva ainda é otimista.

As taxas de juros não repetirão o bom desempenho de 2007, já que a possível alta da Selic, a manutenção dos juros futuros em patamares elevados e a recente incidência do compulsório sobre depósitos captados de empresas de arrendamento mercantil implicarão aumento do custo de captação. E as elevações do IOF e da CSLL já começaram a ser repassadas aos tomadores desde janeiro, pressionando para cima os spreads e neutralizando os ganhos recentes por conta de maior competição, pela entrada de tomadores de melhor qualidade e pelos ganhos de escala. Todavia, isso fará com que juros retornem a patamares tão baixos como os do início de 2007.

Determinantes da demanda por crédito também indicam que a desaceleração será moderada. Nesse front, duas condicionantes jogam importante papel: confiança e renda. A confiança dos consumidores deve se manter elevada, pois está vinculada ao bom desempenho do mercado de trabalho e à percepção otimista dos agentes em relação à evolução da economia. Maior confiança significa maior propensão a consumir e a se endividar para viabilizar esse consumo.

A renda está igualmente ligada ao mercado de trabalho, mas carrega fatores adicionais de crescimento e inflação sob controle - ou seja, estabilidade macroeconômica de maneira geral. Todos os fatores sustentam o cenário de renda, que se não tão favorável como o do 2007, ainda bastante positivo. Mais renda leva à ampliação da base de consumidores bancários e da base de consumidores de crédito. É sempre bom lembrar: a renda também explica depósitos e, em conseqüência, a oferta de crédito. E um novo ciclo de aperto monetário virá justamente para que todo esse processo seja sustentável. De modo algum deve significar o fim da onda de prosperidade sobre a qual navega a economia brasileira.

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Pelo lado da oferta, as dúvidas sobre a sustentabilidade da trajetória de expansão do crédito decorrem do cenário externo mais adverso, e a eventual piora nas condições de acesso a financiamento externo poderia gerar desaceleração mais forte no crédito em 2008. A restrição poderia vir via capitalização ou via disponibilidade de recursos, ambos limitadores da capacidade de emprestar das instituições financeiras.

Num momento de maior volatilidade, um aumento abrupto da inadimplência pode levar à perda de patrimônio e, assim, a níveis de capitalização que podem afetar a estabilidade do sistema. Assim, bancos tendem a manter níveis de capitalização superiores ao mínimo regulamentar e elevam seus níveis de capital antes de um novo ciclo de expansão de crédito. Foi o que ocorreu no final de 2006, antes da forte expansão do crédito observada em 2007, mas não é o que ocorreu ao final de 2007, quando bancos apresentaram queda no nível de capitalização.

No entanto, a redução nos índices - ainda em patamares elevados - é marginal, sendo compatível com um crescimento do crédito livre a taxas elevadas. Até porque os bancos brasileiros são muito capitalizados e, mesmo com a redução em relação ao início de 2007, ainda possuem espaço nos balanços para continuarem aumentando a oferta de crédito sem risco de desenquadramento.

Os recursos para que a alavancagem se efetive deverão estar disponíveis. Primeiro, porque a taxa de renovação de empréstimos de empresas brasileiras no exterior se manteve superior a 100% mesmo depois do início - e da continuidade - das turbulências nos mercados internacionais.

Segundo, porque, no agregado, a composição da captação de instituições mostra clara concentração em depósitos e essa depende, fundamentalmente, da evolução da massa salarial e da rentabilidade das empresas. As obrigações por repasses, estas sim, estão vinculadas ao cenário externo. Mas, além de serem menos representativas (principalmente para os bancos grandes), não têm demonstrado movimento de retração.

Em suma, os fatores apresentados, apesar de indicarem alguma desaceleração, estão longe de determinar uma interrupção no movimento de aprofundamento financeiro que o país está vivendo. O processo de ampliação do acesso a crédito pelas famílias e empresas e de maior bancarização terá continuidade ao longo do ano. E o crédito bancário, um dos principais termômetros desse processo, terá um ano de crescimento robusto, a taxas de dois dígitos, mesmo num cenário adverso, pois fatores de oferta e de demanda estarão presentes para garantir a dominância dos motores domésticos sobre sua evolução.

Denis Blum e Bruno Rocha são analistas da área de crédito da Tendências Consultoria.