Título: Encomenda do Brasil exigirá transferência de tecnologia
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2008, Empresas, p. B6

O ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, diz que uma eventual encomenda de novos caças supersônicos está condicionada "ao máximo possível" de transferência tecnológica e considera "um desserviço ao país reduzir o debate (sobre a reorganização das Forças Armadas) à compra de equipamentos caros". Para reverter a situação de desvantagem da frota de combate em relação a vizinhos sul-americanos - Chile e Venezuela estão hoje teoricamente mais bem equipados -, o governo avalia duas possibilidades distintas no Plano Estratégico de Defesa, que deverá ser lançado em setembro, para a Força Aérea Brasileira (FAB).

A primeira alternativa é adquirir caças avançados de quarta geração, como o francês Rafale (Dassault) ou o russo Su-35 (Sukhoi), com transferência de tecnologia, "sobretudo por meio de acordos para a produção conjunta de muitos componentes", segundo Mangabeira, que elabora o plano junto com os comandos militares e o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Não se sabe ao certo a quantidade de aviões de uma eventual encomenda, mas tudo indica que, se essa linha for seguida, será uma despesa pelo menos duas vezes superior ao proposto no projeto F-X, aberto no governo Fernando Henrique Cardoso e formalmente encerrado em 2005, sem qualquer compra. Naquela concorrência, esperava-se um gasto de aproximadamente US$ 700 milhões, com a compra de oito a 12 jatos.

A segunda opção - sobre a qual Mangabeira fala com entusiasmo, dando a impressão de preferência por esse caminho, embora ele negue - é adiar a compra dos caças e direcionar o investimento a quatro alvos: a modernização da frota existente na FAB, com sistemas de armas mais avançados, mas com a óbvia limitação da estrutura dos caças atuais da Aeronáutica; desenvolvimento de veículos não-tripulados, antes para monitoramento e depois, eventualmente, também para combate; formação "maciça" de quadros científicos da FAB; e a cooperação com uma potência bélica para desenvolver uma novíssima geração de caças, da chamada "quinta geração".

"É uma decisão difícil e que ainda não foi tomada", informa o ministro, lembrando tratar-se de alternativas bem diferentes. Se optar por desenvolver um novo protótipo, entretanto, o governo brasileiro poderá ver-se forçado a arranjar uma solução transitória para não perder o poder de dissuasão no espaço aéreo. "Não podemos sacrificar o futuro pelo curtoprazismo, mas também não podemos tolerar um intervalo perigoso de desproteção", completa Mangabeira, abrindo espaço ainda para um caminho intermediário.

O essencial, avalia o ministro de Assuntos Estratégicos, é não concentrar o foco no reaparelhamento das Forças Armadas em si. "Persiste o objetivo central de reorganizar as Forças em torno de uma vanguarda tecnológica e operacional baseada em capacitações nacionais", diz Mangabeira, numa entrevista ao Valor em seu gabinete, em Brasília. "Decisões sobre compras são apenas uma conseqüência da estratégia."

Na busca de alianças militares, o governo brasileiro fez aproximações neste ano com Índia, França, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido. Em maio, Mangabeira deverá falar também com autoridades chinesas, em Pequim. "A todos esses países deixamos claro que estamos muito menos interessados em comprar produtos e serviços acabados do que em desenvolver parcerias que fortaleçam de maneira duradoura as nossas capacitações tecnológicas autônomas."

O ministro faz questão de ressaltar que as duas maiores possibilidades de avanço na cooperação militar são com França e Rússia. "Talvez a maior surpresa tenha sido a rapidez e a profundidade das conversas com os russos", assinala Mangabeira. Na semana passada, ele e Jobim receberam em Brasília altos funcionários do país.

A Rússia, que combina "avanço tecnológico com grande autonomia política", se dispôs a trabalhar futuramente com o Brasil no desenvolvimento de um novo caça supersônico, de acordo com o ministro. Se sair do papel, estima-se que seja um projeto de ao menos US$ 20 bilhões. Daí o suposto interesse dos russos em encontrar parceiros: ao compartilhar a criação do protótipo, pode dividir custos entregando a incumbência de desenvolver sistemas complementares ao avião (como o radar e a aviônica, por exemplo) a outros países emergentes. A questão é saber se o Brasil, com a Rússia ou qualquer outra potência bélica eventualmente disposta a seguir adiante em um projeto comum de novo caça, terá dinheiro e paciência suficientes para sustentar uma empreitada de tamanha envergadura. (DR)