Título: Recado ao povo iraniano
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 16/02/2011, Mundo, p. 18

Depois de exercer pressão em favor da derrocada do regime de Hosni Mubarak e de uma transição democrática no Egito, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apontou sua metralhadora verbal para o Irã. ¿Espero que o povo do Irã continue a ter a coragem de expressar sua sede de liberdade e seu desejo de ter um governo representativo¿, afirmou o mandatário. Obama também advertiu seus aliados do mundo árabe do risco de uma revolução em seus países, caso interrompam as aspirações democráticas da população. E mandou um recado aos governantes do Irã: ¿Não se pode exercer o poder pela força, indefinidamente¿.

As palavras de Obama parecem não ter intimidado o ¿colega¿ iraniano, Mahmud Ahmadinejad. ¿Está claro e evidente que a nação iraniana tem inimigos, porque é um país que deseja brilhar e alcançar seu pico, e quer mudar as relações (entre os países no mundo)¿, declarou Ahmadinejad, em entrevista ao vivo à TV estatal. ¿Claro que existe muita animosidade, mesmo contra o governo. Mas eles (os organizadores dos protestos) vão fracassar¿, prometeu, ao ser questionado sobre as manifestações de anteontem, em Teerã, que deixaram dois mortos e vários feridos.

Um sinal de que Teerã não pretende ser leniente com novos protestos ficou explícito na maneira com que a bancada governista no Parlamento protestou diante da tribuna, em Teerã. Enfurecidos, os parlamentares exigiram o enforcamento de Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karubi, dois importantes líderes da oposição. ¿Mousavi e Karubi devem ser executados! Morte a Mousavi, Karubi e Khatami!¿, gritavam os parlamentares. O ex-presidente reformista Mohammad Khatami foi criticado por apoiar os manifestantes. Os governistas acusaram EUA, Reino Unido e Israel de terem organizado os protestos de segunda-feira. ¿O Parlamento condena os sionistas, os americanos e a ação antirrevolucionária e antinacionalista dos agitadores¿, exclamou Ali Larinjani, presidente da casa.

Em entrevista ao Correio, do exílio em Oslo (Noruega), o oposicionista Mahmud Amiry-Moghaddam afirmou que o regime iraniano foi surpreendido pela adesão popular aos protestos ¿ os maiores em 13 meses. ¿Dessa vez, o foco estava no real ditador, o aiatolá Ali Khamenei. Ao contrário de 2009, ficou claro que as pessoas cobravam uma mudança de regime¿, disse. Para ele, as autoridades estão assustadas com a deposição dos governos na Tunísia e no Egito. ¿Por isso, ameaçaram Mousavi e Karubi¿, acrescentou. O cientista político iraniano Mehrzad Boroujerdi, professor da Syracuse University (nos EUA), vê a radicalização da oposição. ¿Isso mostra que o movimento e os sentimentos que começaram em junho de 2009 ainda estão vivos e perseveram¿, admite. Apesar disso, Mehrzad descarta que o Irã experimentará o mesmo fenômeno do Egito. ¿O regime iraniano é capaz de organizar gigantescas marchas que podem ofuscar os protestos da oposição. Além disso, a Guarda Revolucionária e a milícia Basij podem confrontar os adversários do governo¿, acrescenta.

Em seu pronunciamento, Obama reconheceu que o mundo mudou. ¿Enviamos uma mensagem forte a nossos aliados na região, dizendo `tomemos o exemplo do Egito mais do que o Irã¿, afirmou. O iraniano Ali Alfoneh, analista do American Enterprise Institute (em Washington), nota uma mudança de postura de Obama. ¿No caso do Egito, ele pediu a renúncia de Mubarak e a democratização do país. Em relação ao Irã, Obama elogia a coragem da oposição, mas não pede uma mudança no regime, o que é surpreendente para a maioria dos iranianos¿, observa. O ativista Amiry-Moghaddam sustenta que o aiatolá Ali Khamenei não é como Mubarak. ¿Khamenei fará o que puder para manter o poder. Mas a sociedade civil não vai desistir.¿

Iêmen e Barein Em Sanaa, capital do Iêmen, partidários do regime do presidente Ali Abdullah Saleh invadiram um grande protesto contra o governo. A polícia precisou intervir, usando os tasers (pistolas de descarga elétrica). Pelo menos três pessoas ficaram feridas. ¿O povo quer acabar com o regime¿, cantavam os manifestantes, repetindo o slogan usado no Egito. À medida que os opositores se aproximavam do palácio de Saleh, simpatizantes do Congresso Geral do Povo atacavam com paus e pedras. No Barein, o rei xeque Hamad ben Issa Al-Khalifa lamentou ontem a morte de dois xiitas e anunciou a formação de uma comissão de investigação ministerial. Os dois opositores morreram em confrontos com a polícia, segunda-feira e ontem.

No Brasil O governo brasileiro confirmou que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegará ao país em 19 de março para uma visita de dois dias, que incluirá Brasília e Rio de Janeiro. Primeiro, Obama se encontrará com a colega, Dilma Rousseff, na capital, e, no dia seguinte, segue para o Rio, onde deverá conhecer uma comunidade atendida pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

Egito revisará a Constituição Pedro Ugarte/AFP Praça Tahrir, no Cairo: epicentro dos protestos de volta à normalidade Uma comissão de juristas formada pelo Conselho Supremo das Forças Armadas terá nove dias para revisar a Constituição do Egito e apresentar possíveis reformas. Os oito integrantes, liderados por Tarek ElBisharia, ex-presidente do Conselho de Estado, reuniram-se ontem pela primeira vez. ¿Nós vamos revisar a Constituição para retirar todas as restrições e obstáculos e para responder às aspirações da revolução e do povo¿, declarou à agência France-Presse Sobhi Saleh, advogado e ex-deputado da Irmandade Muçulmana, a principal força da oposição.

Os militares teriam prometido um referendo sobre as emendas em até dois meses. A intenção é entregar o poder a um governo eleito dentro de seis meses. A Irmandade Muçulmana revelou ontem o desejo de criar um partido político.

Segundo a AFP, os juristas modificarão cinco artigos da Carta Magna, incluindo os que abordam condições restritivas de candidatura às eleições presidenciais e o modo de supervisão do pleito.

¿Estou grato por termos um prazo para caminharmos rumo à democracia civil¿, comemorou Am ElBeleidy, morador do Cairo e cofundador de um site de turismo. ¿Precisamos ver como essa comissão formará a nova Constituição, em forma de consultas públicas, e analisar as regras que serão colocadas em referendo popular. O mundo inteiro observará os próximos passos¿, assegurou, em entrevista à reportagem pela internet.

Kareem Adel Sharif, 26 anos, anseia por mudanças. Engenheiro químico desempregado, ele elogia a comissão de juristas. ¿É um passo positivo¿, comemora. ¿Antes, tínhamos um problema de identidade, éramos desprovidos de esperanças e de sonhos¿, concluiu. (RC)