Título: Empresas brasileiras não temem Lugo
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2008, Internacional, p. A13

Longe da polêmica em relação a Itaipu, as duas maiores empresas brasileiras no Paraguai têm aproveitado o período de crescimento da economia local para ampliar os negócios e os investimentos. A Petrobras e o Interbanco, empresa do Unibanco, são líderes em seus setores. Elas destacam o imposto baixo e o potencial do mercado como vantagens. E dizem não temer o presidente eleito, Fernando Lugo.

A Petrobras é o quinto maior contribuinte do Fisco paraguaio. O Interbanco, o nono. E, em meio ao clima de especulações e incertezas quanto às políticas do esquerdista Lugo (que tem o apoio de forças de esquerda e de centro), executivos das duas empresas dizem confiar que não haverá sobressaltos na economia nos próximos anos.

A Petrobras chegou há pouco tempo. Começou a operar em 1º de abril de 2006, após comprar a rede de 130 postos da Shell, junto com os negócios de combustível para aviação, de GLP e um terminal de armazenagem. A petroleira holandesa deixou o Paraguai com 19,8% do mercado de combustível. Dois anos depois, a Petrobras Paraguay tem 20,5%. O faturamento anual é de US$ 300 milhões.

"Embora tenha uma escala pequena, em termos de volume, o mercado paraguaio é importante para a empresa, que já estava presente da Argentina, na Bolívia e entrou também no Uruguai, permitindo uma sinergia operacional e comercial", diz Ério Augusto Mathias, gerente-geral da Petrobras no país. Somando diesel, gasolina, lubrificantes e combustível para aviação, a Petrobras comercializa 28 milhões de litros por mês.

A frota paraguaia tem crescido muito nos últimos dois anos, e o governo estuda o ingresso de carros flex no país, o que seria um impulso para o etanol brasileiro. Hoje o consumo de álcool é reduzido.

A Petrobras atua só como distribuidora. Importa gasolina da unidade argentina, e diesel e GLP do Brasil. O Paraguai não produz petróleo. Pelo menos não ainda. "Algumas empresas exploram a região do Chaco [a metade norte e noroeste do país], mas não há registros de descobertas. Um grupo de técnicos da Petrobras está analisando a possibilidade e a viabilidade de entramos nessa atividade".

O principal projeto da empresa é ampliar as unidades de armazenagem. "Com todos os problemas de desabastecimento na Argentina, precisamos ter aqui uma tancagem maior." A empresa inicia este ano a construção de dois tanques (um para diesel e outro para álcool) e outros dois para GLP. Hoje, é a estatal Petropar que armazena diesel e álcool da Petrobras. A obras devem ser entregues em 2009.

O fator Argentina tem sido uma dificuldade. Historicamente, os carros paraguaios rodam com combustível argentino, inclusive da Petrobras Argentina. A hidrovia do Rio Paraguai permite um transporte mais barato e menos arriscado que o transporte rodoviário. Mas, diz Mathias, como desde o ano passado a Argentina não tem tido excedente, a Petrobras Paraguay tem se voltado ao Brasil. E aos caminhões, cujo custo é 15% maior que o das barcaças. O GLP, que até 2006 só vinha da Argentina, agora sai também do Brasil. "É inevitável que algo [dos custos maiores] seja repassado para o preço final", diz o gerente da empresa.

Mas, à parte a dificuldade com a Argentina, a situação no Paraguai inspira otimismo nas duas empresas brasileiras. O governo brasileiro tem dito que está empenhado em ajudar o desenvolvimento econômico do Paraguai, e uma das formas é encorajar empresários brasileiros a investir no país. Muitos, porém, ainda torcem o nariz.

O Paraguai oferece algumas vantagens muito particulares aos investidores, dizem os executivos das duas empresas. Uma delas é a carga tributária ao redor de 10% - ante mais de 30% no Brasil. Oferece também um amplo mercado potencial. No caso do sistema bancário, o índice da população economicamente ativa com conta aberta é de apenas 10%, segundo Antonio Carlos dos Santos, superintendente empresarial do Interbanco. "Esse é um dos aspectos mais atraentes desse mercado", diz.

Desde 1978 no Paraguai, o banco - marca criada pelo antigo Banco Nacional para o país - passou para o Unibanco em meados do anos 90. E é atualmente o principal banco do Paraguai, com 175 mil clientes, 18 agências (três abertas este ano), lucro de US$ 40 milhões e uma elevada taxa de retorno sobre o patrimônio (segundo critério do Banco Central), de 86%.

Esse retorno se deve muito ao fato de a empresa ter a maior carteira de varejo, o que permite maiores ganhos, diz Santos. Maior emissor de cartão de crédito do país, o banco não tem os ganhos com spread que teria no Brasil - onde uma instituição toma recursos na casa dos 12% e chega a cobrar algo em torno de 150% no cartão. No Paraguai, o máximo da cobrança é de 40%.

O que o banco tem festejado é o aumento expressivo do crédito. Só no ano passado, diz Santos, o crescimento foi de cerca de 50%. "Os produtores do setor agrícola e pecuário estão hoje entre os principais tomadores de crédito no país." O Paraguai é o quarto maior exportador de soja do mundo, sexto maior produtor, e exporta carne para mais de 45 países. "Com o aumento dos preços da soja e dos alimentos de modo geral, aumentam também os preços do insumos e a aumenta a necessidade de financiamento." E aqui, onde cerca de 90% dos produtores de soja são brasileiros ou descendentes, um banco do Brasil, onde os diretores são brasileiros, acaba tendo uma vantagem adicional na hora de buscar novos clientes, diz Santos.

O Interbanco reforçou sua participação no Paraguai nos últimos sete anos, comprando carteiras de clientes e agências e ocupando espaço de concorrentes que fecharam as portas. Em dez anos, o país deixou de ter 35 bancos e passou a ter 13 - a maior parte quebrou por fraude ou má administração.

Assim como Erio Mathias, da Petrobras, o superintendente do Interbanco mostra otimismo com a situação do país nos próximos anos. Eles prevêem que a economia seguirá crescendo (em 2007, o PIB cresceu 5,5%) e as empresas ampliarão os negócios. E dizem não ter pisado no freio este ano diante do favoritismo de Lugo.

Mathias e Santos dizem que as duas companhias não são atingidas pela imagem, cultivada por setores da sociedade paraguaia, de um Brasil imperialista e que pouco ajuda o sócio mais pobre do Mercosul. Mas, talvez para reforçar a idéia de parceria, o banco espalha cartazes pelas agências que dizem que todos "somam". Todos, inclusive, "el que viene de lejos, suma".