Título: Maricá espera dias melhores com "milagre" dos royalties
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2008, Especial, p. A20

Uma combinação feliz de fatos ligados à indústria do petróleo está gerando esperança de dias melhores para Maricá, um dos municípios mais maltratados, do ponto de vista da ocupação urbana, da Região dos Lagos do Rio de Janeiro. A proximidade com o futuro Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), cujas obras já foram formalmente iniciadas no município vizinho de Itaboraí, está levando grandes construtoras a projetarem empreendimentos residenciais e comerciais para o município, onde a natureza combina mar, lagoas e montanhas.

Ao mesmo tempo, o município, que pelas atuais coordenadas do IBGE sedia mais de 50% do badalado campo de Tupi, sonha com a perspectiva de que, nos próximos anos, jorre dinheiro de royalties pelos dutos das plataformas de petróleo, permitindo a cura das suas graves feridas.

O dinheiro farto para as obras públicas ainda vai demorar, mas o setor privado já está ocupando espaços. A Brascan Imobiliária vai fazer dois condomínios gigantes, um voltado para as classes média e média baixa e outro para a classe média alta. Os dois somarão uma área vendável de R$ 1,95 bilhão. Também a Máxima Asset, que acaba de entrar no setor imobiliário, assumiu a gestão de um conjunto de terrenos em Maricá e municípios vizinhos que somam cerca de 2 milhões de metros quadrados.

A empresa já anunciou que seu primeiro empreendimento será um shopping center na localidade de Inoã, distrito de Maricá às margens da rodovia RJ-106, que liga Niterói, antiga capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, à Região dos Lagos. O grupo luso-espanhol IDB enfrenta oposição ambiental ao projeto para construir em Maricá o segundo resort seis estrelas do mundo (o único atual fica na África do Sul). O projeto prevê construção de atracadouro para 500 barcos.

Outras empresas grandes estão procurando terrenos no município e empresários locais correm para construir na frente condomínios com infra-estrutura de luxo, como clubes com piscinas e quadras de tênis. O grupo do empresário Antônio Luiz Cavalcanti de Albuquerque já está no terceiro empreendimento. A prefeitura da cidade lista sete grandes áreas de condomínios recém-comercializadas e mais de dez de menor porte já construídas.

Há comentários no meio empresarial, não confirmados oficialmente, de que até a Petrobras, principal investidora do Comperj, estaria estudando instalar em Maricá uma base marítima para receber gás destinado ao complexo industrial.

As grandes incorporadoras estão enxergando no conjunto formado pela região oceânica de Niterói e Maricá - que pode chegar também aos municípios de Saquarema e Araruama, continuações do litoral fluminense para o norte - uma espécie de nova Barra da Tijuca, só que no lado oposto da baía de Guanabara. A Barra da Tijuca começou a crescer nos anos 1970 e hoje é o principal pólo imobiliário do município do Rio de Janeiro, já englobando o Recreio dos Bandeirantes e adjacências.

O problema é que Maricá e a região oceânica de Niterói não formam um conjunto, pela falta de uma interligação adequada, e padecem de sérios problemas viários e de saneamento, infinitamente mais graves no caso de Maricá. Com 362 km2de área, que incluem cinco lagoas, serras com cachoeiras e 42 quilômetros de litoral de mar aberto, Maricá poderia ser um santuário ecológico-turístico, mas uma ocupação desenfreada, baseada em loteamentos desconexos, a transformaram em um caos urbano onde vivem 105.294 pessoas, segundo contagem feita pelo IBGE em 2007.

Até o início dos anos 1950, o município tinha um perfil bem próximo do paraíso que poderia ter sido. O mar bravio, resultado da absoluta ausência de recortes litorâneos na sua longa faixa de praia, afugentava para as mais distantes Cabo Frio e Armação dos Búzios (então um simples distrito), com suas belas e protegidas praias, as primeiras levas de turistas. Ao mesmo tempo, a força do mar vencia periodicamente a restinga, renovando a água e a vida nas lagoas da retaguarda.

Em uma curva às margens de uma dessas lagoas, a de Araçatiba, há uma cruz que assinala um episódio histórico-mitológico. Na sua peregrinação de catequese indígena pelo litoral brasileiro na segunda metade do século XVI, o padre jesuíta José de Anchieta esteve na povoação que deu origem à atual Maricá.

Lá, teria feito uma espécie de segundo milagre dos peixes, mas, diferente do Cristo que multiplicou os animais já pescados, Anchieta pescou de fato, só que antecipando aos seus acompanhantes, índios na maioria, o peixe que iria puxar a cada investida. E pescou tanto que a comitiva foi insuficiente para salgar e estocar o produto da pescaria.

A estátua de Anchieta esculpida para assinalar, junto com a cruz, o local do "milagre" enfeita agora o "hall" de entrada do museu histórico da cidade, instalado em um belíssimo prédio de 1841, que serviu na origem de cadeia e Câmara Municipal. Ele fica no único ponto arquitetonicamente bonito da cidade, a praça principal, formando conjunto com a bela matriz de Nossa Senhora do Amparo, inaugurada em 1802 e que, infelizmente, sofreu graves descaracterizações durante uma reforma promovida nos anos 1940.

Descaracterização menos grave do que a sofrida pelo município como um todo a partir dos anos 1950, quando, segundo o secretário da Fazenda, Planejamento e Orçamento da prefeitura, Luiz Carlos Bittencourt Coelho, começou a febre dos loteamentos. Antes, Maricá era pouco mais do que a praça da igreja e algumas fazendas também de bela arquitetura, a mais famosa delas, a do Bananal, pertencente hoje ao arquiteto Oscar Niemeyer.