Título: Salário mínimo, inflação e PIB
Autor: Considera , Claudio Monteiro
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2008, Opinião, p. A12

Em 4 de março deste ano, o salário mínimo alcançou US$ 250, ao ser reajustado em 1º de março para R$ 415,00. Seria essa uma boa base de comparação? Ela serve muitas vezes para se comparar o salário mínimo brasileiro com o de outros países mais desenvolvidos e lamentar seu irrisório valor internacional. Ou ainda, serve para, como na situação atual, em que o real encontra-se extremamente valorizado, festejar o fantástico feito do atual governo de ter produzido um razoável salário mínimo em dólares.

Um princípio básico da teoria econômica é que "o padrão de vida de um país depende de sua capacidade de produzir bens e serviços", vale dizer do seu PIB, ou melhor, de seu PIB per capita. Em 1998, em artigo para um jornal, chamei a atenção ao fato de que, comparativamente ao PIB per capita, o salário mínimo brasileiro daquele ano era maior do que o salário mínimo americano; estava abaixo, mas próximo, dos salários mínimos das sociais-democracias européias; e, perdia feio para os países escandinavos.

Refazendo as contas para o Brasil, tendo em vista a revisão recente do IBGE, estimando-se um PIB para 2008 de R$ 2,8 trilhões (crescimento de 4,7% e um deflator de 4,5% conforme previsões do Ipea) e um salário mínimo real médio mensal, a preços de fevereiro de 2008, de R$ 391,55 (considera-se os R$ 380,00 de janeiro e fevereiro e o 13º salário de R$ 415,00 semelhante aos meses de março a dezembro), o PIB per capita de 2008 seria 2,74 vezes o total do salário mínimo anual que seria pago neste ano (lembro que, para as sociais-democracias européias, em 1995, esse número era 2,1). Quanto menor esse número, maior a capacidade dos que recebem salário mínimo disputarem os bens e serviços da economia com os demais assalariados. Adicionalmente, observa-se que seu valor médio real ao longo do ano seria de R$ 391,55, caso a inflação se mantiver em 4,5%. Este seria o maior valor médio real mensal desde 1964, quando seu valor real que foi de R$ 402,00, a preços de fevereiro de 2008 (lembro que em 1964 e em anos anteriores, e mesmo posteriores, esse salário mínimo não era pago à grande maioria dos assalariados brasileiros).

Parecem-nos claro dois aspectos. Em primeiro lugar, a manutenção do valor real do salário mínimo depende de duas características: da taxa de inflação e da política de salário mínimo. Quanto menor a taxa de inflação e mais magnânima a política de sua reposição, maior será seu valor real. Em segundo lugar, sua posição em relação à renda per capita dependerá da evolução desta (crescimento ou recessão) e dos aumentos reais que forem concedidos a cada ano ao salário mínimo.

-------------------------------------------------------------------------------- Processo de recuperação do salário mínimo continuou durante o governo Lula e seu valor real poderá crescer 37% até 2008 --------------------------------------------------------------------------------

A tabela abaixo nos permite algumas observações a esse respeito. O salário mínimo médio mensal perdeu valor real ao longo do período 1964-83, mas, a despeito disso, tinha uma relação surpreendentemente favorável em relação à renda per capita do período: o PIB per capita médio era apenas 1,86 vez superior ao salário mínimo real médio (R$ 333,90). Isso se deu graças ao controle da inflação durante a maior parte do período (esse controle se perdeu apenas após 1979) e à política de indexação do salário mínimo. É importante lembrar que até 1980 a taxa de crescimento do PIB per capita foi elevadíssima, o que contribui para o resultado.

No período seguinte, 1984-1994, de hiperinflação com baixo crescimento, o salário mínimo real médio mensal (R$ 239,50) passou a valer cerca de apenas dois terços do valor do período anterior. Sua perda foi tal que, mesmo com as baixas taxas de crescimento do PIB per capita do período, este passou a ser 3,57 vezes superior ao salário mínimo anual médio do período

Em 1994, ano da entrada em vigor do Plano Real, o salário mínimo médio real mensal alcançou seu valor mais baixo (R$ 197,59), superior apenas ao do período 1990-92 (R$ 191,56). A partir daí, durante o governo FHC, com o controle da inflação, o salário mínimo inicia um vigoroso processo de recuperação de seu valor real, alcançando o valor de R$ 285,98, tendo crescido 45% em termos reais de 1994 a 2002. Graças à política de recuperação, seu montante anual diminuiu a distância para o PIB per capita para 3,3 vezes.

O processo de recuperação do salário mínimo continuou durante o governo Lula e seu valor real poderá crescer 37% até 2008, alcançando o valor médio real de R$ 391,55 (caso a inflação seja de apenas 4,5% durante este ano). Na sua comparação com o PIB per capita a distância continuaria diminuindo e este seria de 2,74 vezes o valor anual do salário mínimo (caso o PIB cresça 4,7% e o deflator seja de 4,5%).

O que se argumentou neste texto é que o salário mínimo valer US$ 250 tem significado apenas retórico. O que importa de fato é o aumento do seu valor real e seu aumento em relação ao PIB per capita do país. Para isso são necessários: uma política clara de sua recuperação, o que se iniciou a partir de 1994; e, o controle da inflação, sem esquecer do crescimento econômico possível, o que possibilitará à sociedade um padrão de vida melhor com melhor distribuição de renda.

Claudio Monteiro Considera é professor de Economia da Universidade Federal Fluminense