Título: Zona Franca revive com mercado interno forte
Autor: Góes , Francisco
Fonte: Valor Econômico, 25/04/2008, Especial, p. A14
Issao Mizoguchi, da Honda: "Estamos tendo dificuldades de aumentar exportações devido à perda de competitividade acentuada pela valorização do real" No coração da Amazônia, o Pólo Industrial de Manaus (PIM) vive uma fase de forte crescimento apoiada em bens cuja produção é influenciada pela expansão do crédito, do emprego e da renda no país. É o caso dos eletroeletrônicos, incluindo celulares, das motocicletas e do setor de alimentos e bebidas, com destaque para o xarope usado na produção de refrigerantes. Juntos, esses segmentos respondem por 65% da produção industrial do Amazonas, onde também ganha espaço a produção de petróleo e gás. Nos últimos cinco anos, a indústria no Amazonas cresceu 33,8%, acima dos 21,7% da média nacional, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Esse forte crescimento ancorado no mercado interno tem, no entanto, um outro lado da moeda. A tentativa de transformar Manaus também em plataforma exportadora esbarra na valorização do real e na competição direta de produtos importados da China, caso dos DVDs, que tiraram mercado do pólo. Depois de dobrar de tamanho entre 2002 e 2005 (para US$ 2 bilhões naquele ano), as vendas da Zona Franca para o exterior recuaram nos últimos dois anos e ficaram em US$ 1 bilhão em 2007, mesmo valor de 2002. Para 2008, as previsões são de crescimento de 10% a 15%, mas a alta estará quase toda ancorada em único produto, os celulares, enquanto outros itens importantes, como as motocicletas fabricadas pela Honda, apenas manterão o volume exportado em relação a 2007.
No período em que as exportações caíram pela metade (entre 2005 e 2007), as importações cresceram 32% e atingiram US$ 6,2 bilhões, fazendo o déficit comercial do PIM subir 92% - de US$ 2,7 bilhões para US$ 5,2 bilhões. O índice de nacionalização da indústria do pólo foi de 51% em 2007, número semelhante ao de 2005. Mas nos produtos com maior compra de insumos de fornecedores locais, em reais, a perda de competitividade na exportação é maior.
A queda das exportações da indústria de Manaus em 2006 e 2007 foi motivada pelo aquecimento do mercado interno e pelo câmbio, que reduziu os embarques de celulares e outros produtos. Em 2006 e 2007, as exportações de celulares do Brasil caíram 3% e 28%, respectivamente, como efeito do câmbio apreciado e da transferência de uma linha de produção da Nokia para o México. Também pesaram na queda da exportações a transferência de linhas de produção para o Sudeste, caso da Samsung, que levou a fábrica de monitores para São Paulo, no âmbito da guerra fiscal entre Amazonas e São Paulo.
Oldemar Ianck, superintendente-adjunto de projetos da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) diz que a Zona Franca, que é mais voltada para o mercado interno e não tem um regime específico para a exportação, começou a mirar o mercado externo em 1997. "A competência tecnológica que foi sendo agregada nos processos de produção e a internacionalização das empresas contribuiu para que a Zona Franca começasse a exportar", diz Ianck.
Ele afirma que a valorização do real tem impacto negativo sobre as exportações do pólo, mas esse efeito é diferenciado nos subsegmentos do distrito, dependendo da verticalização da cadeia produtiva. As empresas que compram mais peças e componentes de fornecedores locais em reais tendem a perder competitividade, mas empresas que utilizam o drawback (admissão temporária de insumos) na exportação, caso dos celulares, conseguem reduzir os gastos com a compra de bens intermediários.
Os embarques de celulares da Nokia para o exterior devem contribuir para o crescimento geral das exportações do PIM este ano em relação a 2007, prevê Ianck. A Nokia deve elevar as exportações de celulares em quase 170% este ano em relação a 2007. A companhia não comenta os números, mas segundo a Suframa, a empresa aprovou, no fim de 2007, programas de exportação de US$ 880 milhões para 2008. Em 2007, ela exportou US$ 326,1 milhões.
Mauro Correia, diretor-geral da fábrica da Nokia em Manaus, diz que a empresa tem trabalhado para ser mais competitiva frente à apreciação do real. "Temos feito um trabalho de aumento da eficiência na exportação. O câmbio é um fator que pode incentivar a exportação, mas não é o único", diz.
Dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostram que a exportação de celulares do Brasil deve totalizar 30 milhões de unidades este ano, com crescimento de 30% sobre 2007. Já as importações somarão 5,5 milhões de aparelhos com alta de 17% sobre o ano passado.
Nos indicadores sobre a produção industrial no Amazonas, o desempenho também é crescente. "O que se observa é que a indústria amazonense ganhou velocidade sobre a média brasileira influenciada por três subsegmentos: eletroeletrônicos, equipamentos de transporte - que inclui motocicletas - e alimentos e bebidas", diz Silvio Sales, coordenador de indústria do IBGE. Também pesou o crescimento da indústria extrativa com a produção de petróleo e gás.
Entre 2003 e 2007, apenas em dois anos (2006 e 2007), a produção industrial amazonense ficou abaixo da média brasileira. Em 2006, a indústria brasileira cresceu 2,8%, enquanto a do Amazonas caiu 2,2%. Já em 2007, a indústria brasileira cresceu 6% e a amazonense, 4,5%. Sales diz que a valorização do real reduziu as exportações de celulares em 2006, puxando para baixo o crescimento da indústria do Estado. O câmbio também incentivou importações diretas na linha marrom (imagem e som), o que reduziu a produção desses itens em Manaus. Estima-se que hoje metade dos DVDs vendidos no Brasil é importada.
No ano passado, o pólo faturou US$ 25,7 bilhões, 12,7% acima dos US$ 22,8 bilhões de 2006. A diferença entre o faturamento e a importação de Manaus no ano passado, de US$ 19,5 bilhões, representa a agregação de valor feita localmente, diz Ianck. A indústria do pólo que, no início da década de 90, atingiu nacionalização de 75% registra hoje 51%.
A diferença é que, em 1990, houve uma nacionalização "forçada", em que os produtos não tinham competitividade em termos de preços e eram marcados por defasagem tecnológica, diz Ianck. Foi nessa época que o PIM reduziu à metade o número de empregados (de 78 mil para 38 mil). Era obrigado a fazer a nacionalização em Manaus enquanto o resto da indústria podia importar componentes.
Em 1991, uma lei mudou os parâmetros básicos. Eliminou-se a exigência de índice mínimo de nacionalização, que foi trocado pelo Processo Produtivo Básico (PPB), um conjunto mínimo de etapas a ser cumprido pelo fabricante. Nesse processo, as empresas passaram por uma reconversão produtiva. Partiu-se para a modernização do parque industrial. Hoje, as cerca de 500 empresas do PIM mantêm 100 mil postos de trabalho diretos e 400 mil indiretos
A Philips da Amazônia, que produz linhas de TV, áudio, vídeo e caixas de transmissão de dados, importa cerca de 50% das matérias-primas usadas em Manaus. "O câmbio diminuiu os custos da importação", diz Julio Pacini Neto, vice-presidente de operações industriais da empresa. Ele diz que a exportação da Philips é pouco significativa. Entre os fornecedores de peças e componentes para TVs de cinescópio em Manaus, há produção local de tubos de imagem, plástico, fiações, placas de circuito impresso e transformadores de baixa potência, entre outros. Mas nas TVs de LCD e plasma, o índice de nacionalização é menor.
Na Moto Honda da Amazônia, maior empregador do PIM, com 9,3 mil empregos diretos, o índice de nacionalização dos principais produtos está em torno de 90%. "Muitas peças nacionalizadas ficaram mais caras com a valorização do real", diz Issao Mizoguchi, diretor industrial da Moto Honda.
Segundo ele, a empresa trabalha em conjunto com os fornecedores (são 21 empresas instaladas em Manaus para atendê-la) buscando reduzir custos. Mas Mizoguchi reconhece: "Estamos tendo dificuldades de aumentar as exportações devido à perda de competitividade acentuada pela valorização do real." A empresa planeja exportar pouco mais de 100 mil unidades este ano, quase o mesmo volume de 2007.