Título: À procura de um cemitério
Autor: Alves, Renato ; Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 16/02/2011, Cidades, p. 28

Brasília e Goiânia (GO) ¿ Policiais federais se concentram hoje na tentativa de encontrar um suposto cemitério clandestino nos arredores de Goiânia. A denúncia sobre o local de desova partiu do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Goiás, deputado Mauro Rubem (PT). Segundo ele, há uma vala em Aparecida de Goiás, município vizinho à capital, onde estariam enterrados 12 corpos de vítimas do grupo de extermínio composto por policiais militares.

O superintendente da Polícia Federal em Goiás, delegado Antonio Carlos da Silva, admitiu que equipes procuram o local de desova desde o fim da tarde de ontem, mas não confirmou se seria em Aparecida. ¿Temos indícios de que um cemitério clandestino situado numa área rural próxima a Goiânia foi criado por esses elementos (os militares) para desovar suas vítimas. Estamos investigando¿, afirmou, sem dar detalhes.

A denúncia de Rubem e a confirmação de Silva foram feitas em entrevista coletiva na Superintendência da PF, em Goiânia, para explicar a Operação Sexto Mandamento. Estavam presentes também o secretário de Segurança Pública de Goiás, João Furtado Neto, o comandante da PM goiana, coronel Raimundo Nonato e o procurador-geral de Justiça de Goiás, Eduardo Abon Moura.

Intervenção Há mais de uma década, o Ministério Público de Goiás tem investigado e processado vários militares envolvidos em ações criminosas. No entanto, diante da constatação de limitações dos aparelhos de investigação do estado, em dezembro de 2009, a instituição pediu ao Ministério da Justiça a intervenção da Polícia Federal, o que ocorreu a partir de abril de 2010.

Por sua vez, o secretário de Segurança Pública de Goiás tratou de colocar panos quentes na relação entre policiais militares do estado e agentes federais, o que estaria causando, segundo fontes da PM, insatisfação por parte do alto comando da polícia local. ¿A ação da PF foi endereçada a pessoas e não a instituições. O intuito com essa operação foi preservar a imagem da corporação. Dezenove homens não podem manchar a imagem de 12 mil¿, apartou Neto.

Já o comandante da PM, coronel Raimundo de Nonato, garantiu que os processos administrativos contra os envolvidos serão conduzidos com ¿lisura e sem interferências¿. Ele também negou que tenha indicado o nome do coronel Carlos Cézar Macário para ser o segundo no escalão da polícia do estado. ¿Não foi indicação minha, nem sei quem o indicou. O fato é que já solicitamos à PF as informações dessa operação para que possamos adotar as medidas contra possíveis infratores¿, afirmou o oficial.

Não matarás O nome da operação refere-se ao decálogo bíblico, cujo sexto mandamento é ¿não matarás¿. A ação para prender PMs e autoridades goianas foi desencadeada pela Superintendência da PF em Goiás e envolveu 131 policiais federais, com o apoio de 12 oficiais da Polícia Militar goiana.

Grupo é suspeito de matar mais 15 Além do sequestro e da execução de um fazendeiro e de quatro moradores de Flores de Goiás e Alvorada do Norte, um grupo de oito policiais militares do 16º Batalhão, liderado pelo então major Ricardo Rocha Batista, é investigado por matar 15 pessoas em menos de dois anos em Formosa. O major foi um dos primeiros a serem presos pela Polícia Federal na manhã de ontem.

As vítimas do bando eram jovens, quase todos viciados em algum tipo de droga. Todos morreram com tiros à queima-roupa, ao menos uma bala na nuca, sem demonstrar reação, de acordo com laudos cadavéricos revelados pelo Correio Braziliense em série de reportagens publicadas desde maio de 2009.

Mesmo indiciado pela Corregedoria da corporação, respondendo a inquéritos por homicídio e com a candidatura impugnada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o oficial disputou vaga na Assembleia Legislativa de Goiás, mas acabou perdendo nas urnas.

O major e os outros sete PMs foram afastados do trabalho no começo de março de 2010, logo após denúncia da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa de Goiás. Duas semanas depois, três soldados e um sargento da mesma unidade foram presos sob acusação de envolvimento em crime de pistolagem.

Eles seriam os autores do sequestro do fazendeiro José Eduardo Ferreira, 56 anos, assassinado um ano antes. A morte teria sido encomendada por outro produtor rural, com quem a vítima havia brigado por disputa de terras, segundo investigação da Polícia Civil goiana (veja mais na página 30).

Ricardo Rocha foi denunciado também pelo MPGO por participação em uma chacina com cinco mortes e por crime de pistolagem. Tudo quando ele era o subcomandante da PM em Rio Verde, no Sudoeste goiano. Após as mortes em série, Rocha foi transferido para Goiânia, onde comandou a Rotam entre 2003 e 2005, época em que a PM mais matou na capital.

Base eleitoral De 6 de março de 2003 a 15 de maio de 2005, foram registrados 117 homicídios em Goiânia cuja autoria é atribuída a PMs, a maioria da Rotam. Das 117 vítimas, 48,7% (57 pessoas) não tinham ficha criminal. Outras 60 (51,3%) eram foragidas da Justiça ou acusadas de algum crime. Em meio à investigação do MPGO sobre esses casos, o major voltou a Rio de Verde. Em seguida, foi para Formosa, terra natal e base eleitoral do então secretário de Segurança Pública de Goiás, Ernesto Roller, deputado estadual pelo PP e candidato a vice-governador na chapa de Vanderlan (PP).

Foi o próprio Roller quem nomeou Ricardo Rocha para assumir o 16º Batalhão. Em solenidades e entrevistas à imprensa do estado, Roller não economizou elogios ao major. Declarou que ele diminuiu a violência, mas nunca apresentou as estatísticas. Fazendeiros de Formosa também defendiam Rocha. Chegaram a fazer festa para ele após série de reportagens do Correio sobre a matança na região. Sobre os recentes afastamentos e prisões dos PMs que tanto elogiou, Roller não fala. Rocha ainda recebeu homenagem da PM, em Goiânia, na despedida do cargo que deixou para disputar a eleição.