Título: O fim dos bancos?
Autor: Vives , Xavier
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, Opinião, p. A15

Será que os bancos estão condenados como conseqüência da atual crise financeira? A securitização de hipotecas, originalmente, era vista como um triunfo, porque transferia risco aos mercados financeiros. Já as tarefas de receber depósitos e conceder e monitorar empréstimos, campo de ação tradicional dos bancos, eram consideradas antiquadas e limitadas. Em contraste, os bancos modernos buscavam financiar-se principalmente no mercado interbancário e securitizar suas carteiras de crédito.

Na teoria, tais bancos deveriam ser imunes a corridas, porque o mercado interbancário é supostamente de extrema eficiência e o risco seria transferido aos investidores dispostos a tolerá-lo. Os depósitos seriam substituídos pelos fundos mútuos, que, como sabemos, também são imunes a corridas, e o risco dos "veículos de investimento estruturado" (SIVs, na sigla em inglês) seria avaliado de forma precisa pelas agências classificadoras. Toda essa engenharia financeira evitaria as exigências obsoletas de capital que sobrecarregam a operação dos bancos.

A crise atual destruiu esse cenário otimista. O mercado interbancário quase desmoronou porque os bancos não confiam uns nos outros, da mesma forma que nós nos inclinamos a não confiar em um ávido vendedor de carros usados. Este é um caso clássico de falha de mercado. A origem do problema é a incerteza sobre a exposição dos bancos às hipotecas subprime, de baixa qualidade, cujos riscos foram avaliados de forma descuidada pelas agências classificadoras, por conflitos de interesse. O Northern Rock, no Reino Unido, foi vítima dessa moderna estratégia bancária, assim como o Bear Stearns, nos Estados Unidos. Outras podem vir em breve.

Além disso, instituições que imaginavam ter transferido risco ao mercado acabaram percebendo que a morte dos SIVs que criaram afetaria suas reputações de forma irreversível. Isso implicava que precisavam resgatar esses SIVs. Infelizmente, deixaram de reservar capital suficiente para esta contingência imprevista e investidores externos, como os fundos soberanos da China, Cingapura e de países do Oriente Médio, surgiram para resgatá-los.

Por fim, os fundos mútuos também estão em risco, porque seus investimentos supostamente seguros podem deteriorar-se e os seguros que os garantem agora parecem ser instáveis. A contaminação dos fundos do mercado monetário pelas subprime poderia mostrar-se desastrosa, com conseqüências muito além das que vimos até agora. A suposta transferência de risco acabou revelando-se uma miragem.

A culpa é dos bancos, mercados ou autoridades reguladoras? A resposta pode indicar o futuro que aguarda os bancos. Alguns reguladores foram irresponsáveis por não antecipar o comportamento lógico de maximização de lucro das instituições, com responsabilidade limitada nos estatutos, e de executivos, efetivamente protegidos contra fracassos.

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Afinal de contas, o que os bancos deveriam fazer quando, em vez de manter as hipotecas subprime em seus livros, monitorar seu desempenho e incorrer em exigências de capital, podem securitizar esses créditos de forma vantajosa (porque as agências avaliadoras têm interesses em jogo), evitar exigências de capital e lucrar com a inexperiência dos investidores com tais produtos? De fato, mesmo se a situação ficasse feia e o patrimônio dos bancos fosse afetado, os executivos sabiam que seus próprios pacotes de aposentadoria e bonificações generosas provavelmente não o seriam. Neste cenário, os reguladores deveriam ter pensado duas vezes antes de permitir operações fora dos livros contábeis sem provisões adicionais.

A questão fundamental hoje é quem monitora os créditos nebulosos, sejam subprime ou de outro tipo. Tradicionalmente, a resposta era "os bancos"; em um mundo securitizado, a questão continua sem resposta. Então, há alguma alternativa à antiquada monitoração dos créditos pelos bancos?

Talvez, se esses pacotes securitizados tivessem sido classificados de forma apropriada, a instituição que os criou seria obrigada a manter uma participação para sinalizar ao mercado que o risco estava sendo controlado. E, claramente, a idéia de que exigências de capital não eram necessárias para as operações dos bancos fora de seus livros contábeis (porque os bancos não arcavam com o risco), simplesmente estava errada.

Uma regulamentação apropriada, incluindo a regulamentação das agências avaliadoras, provavelmente voltaria a tornar os bancos populares. Reconsiderar a responsabilidade limitada no documento de constituição dos bancos avançaria ainda mais na recuperação da credibilidade.

O princípio é simples: quando é o seu próprio dinheiro que está em jogo, tende-se a ser mais cuidadoso. Mas, quando se joga com o dinheiro dos outros e se espera uma grande recompensa pelo sucesso e nenhuma punição pelo fracasso, os incentivos para assumir riscos de forma irresponsável tornam-se enormes.

Xavier Vives é professor de Economia e Finanças no IESE Business School, Barcelona. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. www.project-syndicate.org