Título: Enredo da supertele teve início em 1998
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 28/04/2008, Tecnologia & Telecomunicações, p. B2
É uma trama tão complicada que está no ar faz quase dez anos - um pouco mais e já daria para rivalizar com Dallas, a novela americana da qual se diz ter sido a mais longeva da teledramaturgia mundial (foi transmitida de 1978 a 1991).
A novela aqui começa às vésperas da privatização da Telebrás, em julho de 1998, com um enredo para ninguém botar defeito. Dinheiro alto, traição, intrigas e espionagem - ingredientes que fariam a alegria da televisão mexicana.
Mas alto lá, justiça seja feita. A nossa história não obedece à rasa divisão do mundo entre vilões e mocinhos, tão característica dos folhetins. A vida real e, principalmente, o mundo dos negócios são bem mais complexos - o que só ajuda as coisas mais interessantes.
Para entender a novela, é preciso voltar aos primeiros capítulos, dez anos atrás. É nos agitados meses que antecederam a privatização da Telebrás que a novela começa.
Interessada em adquirir a Telesp, a Telecom Italia havia fechado questão com Organizações Globo, Vicunha e Bradesco. Mas acabou entrando no barco do Opportunity, de Daniel Dantas. Este, por sua vez, angariou também o apoio dos fundos de pensão e do Citigroup.
Enquanto isso, o empresário Carlos Jereissati corria por fora em busca de parceiros que lhe ajudassem a não perder o bonde naquela viagem bilionária. Faltavam poucas semanas para o leilão quando montou-se o consórcio que arremataria a então Tele Norte Leste. O grupo reunia Jereissati, Andrade Gutierrez, Inepar, Macal (Antônio Dias Leite e outros investidores), GP e seguradoras do Banco do Brasil.
O roteiro parecia bem ensaiado: a Telefónica levaria a Tele Centro Sul (atual BrT); o consórcio do Opportunity ficaria com a Tele Norte Leste (Telemar) e a Globo e seus sócios arrematariam a Telesp.
Mas não é que, na hora H, os atores resolveram improvisar? Em 29 de julho, dia do leilão, tudo mudou. Os espanhóis compraram a Telesp. A Tele Centro Sul foi parar nas mãos do Opportunity e da Telecom Italia. Para o consórcio de Jereissati e Andrade, sobrou a atual Oi. Mas faltou dinheiro para pagar a conta. Coube aos fundos de pensão e ao BNDES entrar em ação para dar suporte à empreitada.
Os bastidores vieram à tona algum tempo depois, com a divulgação de conversas grampeadas ilegalmente. Numa delas, o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, referia-se aos integrantes do consórcio que levou a Telemar como "telegangue" e "rataiada".
O relacionamento entre os sócios, tanto na Oi como na BrT, não tardou para que começasse a azedar. O descompasso de interesses e de visão sobre o futuro do investimento pesou na Oi - alguns dos acionistas mal se falavam, mas souberam manter as aparências. Ponto para Jereissati e Andrade, que conseguiram se posicionar para criar a "supertele".
No caso da Brasil Telecom, o buraco foi mais embaixo. Os acionistas protagonizaram escandalosas cenas de amor e ódio que desembocaram numa briga de todos contra quase todos. Com o apoio dos fundos de pensão e do Citi, o Opportunity deu uma canseira na Telecom Italia, que planejava lançar uma operação de celular independente da BrT. O desgaste virou caso de polícia. A operadora contratou a Kroll para investigar os italianos, num episódio que resultou em prisões e respingou em políticos.
De inimiga, a Telecom Italia passou a aliada do Opportunity num dado momento. Fundos de pensão e Citi, porém, romperam com Dantas e moveram uma batalha judicial para afastá-lo da BrT. Os ecos desse passado belicoso apimentaram as negociações para a criação da "supertele" e por pouco não fizeram transação ir por água abaixo.
Astuto e colecionador de polêmicas, Dantas foi ator fundamental em todas as fases da novela. Foi ele o primeiro a lançar a idéia de uma fusão entre as duas operadoras, numa histórica entrevista ao Valor em 2002.
Nos anos seguintes, a proposta foi fazendo cada vez mais sentido para as empresas, à medida que as telecomunicações tornavam-se um jogo para gente muito grande, com escala para competir - como a espanhola Telefónica e mexicana Telmex/América Móvil.
Acabou não sendo Dantas o vetor da consolidação. Mais alinhados ao governo Lula, Andrade e Jereissati saíram de sua habitual discrição, roubaram a cena e assumiram os papéis principais da trama.
Chegamos ao fim? Em se tratando dessa novela, talvez não. A seguir, cenas dos próximos capítulos.