Título: Demanda forte e alta de insumos puxam custos da construção
Autor: Bouças, Cibelle ; Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 19/04/2008, Brasil, p. A3

Adriana Elias / Folha Imagem Cláudio Elias Conz, presidente da Anamaco: substituição tributária em São Paulo será mais um fator de pressão Uma conjunção de pressão de demanda e valorização de commodities no mercado internacional causou uma aceleração na inflação de custos da construção civil, elevando o Índice Nacional de Custo na Construção (INCC) acima das variações apresentadas pelo Índice Geral de Preços (IGP). O movimento, que se intensificou no primeiro trimestre do ano, tende a se manter nos próximos meses, agora com um novo fator de pressão: os reajustes salariais.

No acumulado de 12 meses até março, o INCC registra alta de 6,69%, superior aos índices dos meses anteriores. Na segunda prévia do IGP-M de abril, o indicador apresenta variação maior, de 6,97%, resultado da aceleração tanto no grupo mão-de-obra (6,18%) como em materiais e serviços (7,67%). "Mão-de-obra é um item que está subindo e terá uma variação mais significativa até maio com o reajuste das datas-base", observa Salomão Quadros, coordenador de análises econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em março, os sindicatos da construção civil de Salvador e do Rio de Janeiro obtiveram reajustes, o que contribuiu para a elevação do Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por esse índice, cuja coleta é feita na primeira quinzena do mês, a inflação da construção civil passou de 0,43% em fevereiro para 0,84% em março. A explicação, dada por Luiz Fernando de Oliveira Fonseca, gerente do Sistema Nacional de Pesquisas de Custeio da Construção Civil do IBGE, são os reajustes salariais, que causaram variação no Sinapi de 4,84% no Rio e de 2,89% na Bahia.

Entre abril e maio, observam os economistas, o reajuste de 8,51% obtido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo - praça de maior peso no INCC e no Sinapi - será absorvido pelos indicadores, contribuindo para uma nova aceleração nos índices. Quadros, da FGV, observa que os reajustes salariais baseiam-se na inflação medida no ano passado, que já havia apresentado aceleração. "O setor tem demanda aquecida e falta de mão-de-obra qualificada. A hora de pedir um reajuste maior no acordo coletivo é agora", acrescenta Fonseca, do IBGE.

A pressão causada pela demanda, que já vinha ocorrendo desde 2007, também foi responsável pela aceleração ininterrupta nos preços de materiais e serviços nos últimos dez meses. No ano passado, a procura por materiais de construção adveio principalmente de empresas, que investiram em edificações.

Neste ano, com a aproximação do período eleitoral e a liberação de recursos para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os setores de infra-estrutura, transportes e saneamento elevarão as compras, ajudando a pressionar os preços dos materiais de construção, afirma Ana Maria Castelo, economista e especialistas na área de construção da FGV Projetos. "Havia uma grande capacidade ociosa no setor até 2007, e as indústrias tiveram que correr para atender ao aumento da demanda", afirma. Segundo a economista, o setor de construção cresceu 22% desde 2004, sendo 7,9% em 2007. E deve manter trajetória ascendente neste ano, tendo em vista que os projetos levam pelo menos 18 meses para serem concluídos.

O Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP) estima que a construção civil crescerá 10,2% este ano, considerando um investimento de R$ 180 bilhões. Desse total, 45% viriam de obras do PAC. Luiz Antônio Messias, vice-presidente da entidade, acredita que a demanda ainda exercerá forte influência no aumento dos preços de materiais. "Há espaço para a indústria repassar altas no custo da produção, como o da energia e da mão-de-obra."

Melvyn Fox, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Construção (Abramat), pondera que a demanda aquecida não constitui inflação de demanda. Segundo ele, hoje a indústria possui aproximadamente 15% de ociosidade. "O que temos em relação aos preços são problemas pontuais. Na média, os preços acompanharam a inflação", diz. O faturamento da indústria cresceu 25,95% nesse primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, mas Fox afirma que o volume das vendas pesou mais do que o aumento dos preços no resultado. Para esse ano, a expectativa é que o setor fature 15% a mais que em 2007.

Ana Maria, da FGV Projetos, explica que produtos que têm como matéria-prima aço, metais não-ferrosos (alumínio e cobre) e plástico (derivado do petróleo) apresentam aceleração nos preços devido à alta das commodities no mercado internacional. Produtos derivados da madeira também sobem, mas por conta da redução de oferta no mercado interno. De todos os itens em alta, observa, apenas o cimento não pode ser substituído por importações, já que há falta do produto no mercado externo.

Cláudio Elias Conz, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), cita mais um fator de pressão sobre os preços da construção: a substituição tributária promovida no Estado de São Paulo. A margem de valor agregado foi definida em 36,74%, acima do praticado pelo mercado, diz. "Essa mudança vai elevar o ICMS recolhido pelo setor e terá reflexo sobre os preços", afirma. Conz diz ainda que, por conta da alta nos preços, as vendas do setor em abril devem se desacelerar em relação ao primeiro trimestre, quando houve crescimento de 8,5%.

Andréa Richter, gerente do Sindicato do Comércio Varejista de Materiais de Construção de São Paulo (Sincomavi), diz que a sonegação no setor é grande o suficiente para trazer impactos para os preços com a antecipação do pagamento do tributo pela indústria. Segundo ela, o comércio varejista não sentiu reflexo de aumento do consumo. As vendas não estão crescendo significativamente, mas nem por isso os preços nas lojas estão mais baixos. A fonte fornecedora dos materiais é a mesma das construtoras, e os varejistas acreditam que a inflação esse ano tende a ser mais forte, puxada pela demanda. "Não dá pra negociar com a indústria preços diferenciados só porque o varejo não aumentou suas vendas", diz Richter.

Na região, o varejo registrou vendas 1,3% maiores no primeiro trimestre em relação a igual período do ano passado, resultado puxado principalmente pelo desempenho das grandes lojas. "Os comércios menores, 95% do setor, só têm visto aumento nas vendas quando localizados em locais estratégicos, perto de condomínios e construções novas", diz Andréa. Com base nisso, a projeção para o ano é que o faturamento do setor cresça de 9% a 12%.