Título: Insubordinação a líderes dos partidos contamina composição da Mesa
Autor: Maria Lúcia Delgado, César Felício e Janaina Vilel
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2005, Brasil, p. A7

O clima de insubordinação dos parlamentares às lideranças e orientações partidárias que dominou o processo sucessório na Câmara refletiu também no resultado da composição da nova Mesa Diretora da Casa. Os políticos desprezaram o princípio da proporcionalidade, de que cabe ao maior partido a presidência da Casa, e também ignoraram sem cerimônia as indicações feitas pelas bancadas. A nova Mesa Diretora é uma espécie de dinastia do chamado baixo clero, os deputados que normalmente não atuam diretamente nas articulações políticas. Esses parlamentares são identificados com um perfil político que privilegia as vantagens pessoais em detrimento do debate de projetos de interesse público. O PT, ao perder a presidência da Câmara para o PP, ficou sem nenhuma representação na Mesa Diretora. É ali que são tomadas todas as principais decisões administrativas da Câmara e definida a tramitação de projetos. Para deputados da base aliada, será necessário aumentar a fiscalização dos atos da Mesa para o bem da instituição, evitando qualquer escândalo de corrupção.

Um dos exemplos mais significativos do desrespeito às decisões partidárias foi a eleição, para a primeira secretaria (ver quadro), do deputado Inocêncio Oliveira (PMDB-PE). Ele deixou o PFL após duas décadas e foi para o PMDB para viabilizar a disputa por um cargo na Mesa. Na bancada do PMDB, não foi indicado. O candidato oficial era Waldemir Moka (MS). Inocêncio venceu a disputa por 257 votos a 245. Haverá disputa na vice-presidência entre José Thomaz Nonô (PFL-AL) e César Bandeira (PFL-MA). O PT e aliados estão discutindo se vão respeitar a indicação oficial do PFL após a derrota para a presidência. O líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ), telefonava ontem a petistas pedindo apoio ao candidato oficial, Thomaz Nonô. "Vamos esfriar a cabeça antes de decidir, mas não temos nenhum compromisso com o PFL depois do que aconteceu", disse um petista. Também haverá segundo turno na quarta secretaria entre João Caldas (PL-AL) e Edmar Moreira (PL-MG), que é o candidato oficial. O PT não perdeu também a hegemonia de maior bancada por um triz. A oposição (PFL-PSDB) não formalizou nenhum bloco e os aliados da base também desistiram de formar um grupo de 65 deputados.

As 37 mudanças de partido em um único mês na Câmara terão efeito zero na divisão de poder dentro da Casa. Até a meia-noite de segunda-feira, prazo final para a fixação do tamanho das bancadas que será usado para a distribuição das comissões permanentes, nenhum partido conseguiu mudar sua posição em relação aos demais. Graças à filiação de Miro Teixeira no PT e à saída de três deputados do PMDB na noite de ontem, os petistas mantiveram a posição de maior bancada da Casa, com 91 deputados e o direito a escolher a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante, como já fizeram na legislatura passada. O deputado federal Miro Teixeira filiou-se às pressas ao PT, na noite de segunda-feira, na tentativa de manter o partido com a maior bancada, o que lhe garantiu o direito de presidir a CCJ, a mais importante da Câmara.

Em entrevista ao Valor, Miro declarou que já estava negociando sua ida para o partido há duas semanas, mas decidiu "precipitar sua filiação" a pedido do presidente nacional do PT, José Genoino: "Eu já estava negociando diretamente com o Genoino, em São Paulo, e com o Wladimir Palmeira, no Rio, a minha entrada na legenda. Como percebemos que estava acontecendo um ataque especulativo contra o PT para lhe tirar à presidência da CCJ, decidi antecipar minha filiação. Acatei um pedido do próprio Genoino". O PMDB encerrou o prazo com 88 deputados, nove a mais do que um mês atrás, mas na mesma segunda colocação que estava antes da onda de mudanças. Ontem, às 21h30, o partido já superava o PT, com 92 deputados. Terá o direito de presidir três comissões. Outra derrota do governo foi a escolha do novo líder do PMDB. O grupo apoiado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, conseguiu destituir o deputado José Borba (PR) do controle da bancada e indicar Saraiva Felipe (MG) para a liderança. "O governo está colhendo o que plantou", afirmou Garotinho depois de se reunir com parte da bancada.