Título: Ensaio geral
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2011, Política, p. 4

Para o governo, o debate sobre o salário mínimo tem projeções políticas. A primeira e mais importante circunstância é temperar a base na votação de um tema em que a posição oficial é largamente impopular entre os mais pobres.

Pede-se que os aliados atravessem um certo Rubicão. Depois tudo fica mais fácil para o governo. A base está mais refém.

A política é movida a dois combustíveis. Os discursos e os recursos. O ideal é ter ambos, mas não costuma acontecer. Há na prática uma divisão de atributos: enquanto a oposição se beneficia principalmente dos discursos, a situação se alimenta principalmente dos recursos.

Existe dos dois lados quem busque o melhor de ambos os mundos. Ser fiel à base social e, simultaneamente, fazer política montado na máquina oficial. Não é impossível, mas é missão para craques.

Mais comum é o sujeito trocar pelo menos uma parte da base social quando passa da oposição para o governo. Nas eleições isso pode aparecer como migração geográfica do voto. Políticos antes bem votados em segmentos mais modernos defendem-se capturando o voto do que antigamente se chamavam grotões.

Perdido o eleitor que se sente menos dependente do governo, vai-se atrás do que se sente mais.

A votação do salário mínimo, depois de trafegar por Câmara e Senado, talvez sirva de termômetro para o governo medir a própria capacidade de fazer o remédio amargo descer goela abaixo do Legislativo.

Pois os números e a necessidade de cumprir certas promessas levam a supor que mais remédios amargos vêm aí. Por exemplo, mais impostos.

Uma maneira inteligente de embalar o aumento de impostos será algo que receba o nome de reforma tributária. Governos não reformam os impostos para perder dinheiro, a não ser quando a convicção liberal é bem arraigada.

Não parece ser o caso da administração Dilma Rousseff.

Tudo seria mais fácil, para o governo, se já estivesse em vigor a reforma política dos sonhos do poder.

Funcionaria mais ou menos assim. O governo acerta-se com os caciques partidários, na base da repartição de espaços, e a cacicada enquadra as bancadas no Legislativo.

O parlamentar que não andar estritamente na linha deverá ou 1) ser expulso da legenda, ou 2) ter o mandato cassado, ou 3) ser relegado a uma posição suficientemente atrás na ¿lista fechada¿ para não ter a mínima chance de reeleição, ou 4) ver dissolvido o diretório ou comissão provisória onde se elege, com a bela probabilidade de ver a máquina entregue a um adversário político.

Ou uma combinação desses fatores.

Hoje, com a fidelidade partidária tão exigida pela opinião pública aos tribunais, só falta mesmo o terceiro item. O resto do arcabouço institucional dessa pseudodemocracia já está montado.

E a lista fechada daria aos caciques um atributo a mais. Os donos das legendas teriam poder para se colocar no topo da lista. Menos dependentes de voto, estariam disponíveis para as mais difíceis missões.

Aqui o eleitor poderá enxergar uma contradição.

Se o voto em lista traz junto o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, e se o apetite dos políticos pelos cargos se explica hoje, em teoria, pela necessidade de fontes privadas de financiamento eleitoral, com a mudança no sistema os caciques políticos não brigarão mais o mesmo tanto por cargos de orçamento gordo. Duvido que você acredite nisso.

Braços abaixados A marcha batida do regime iraniano para o fascismo só faz ressaltar a inteligência da dupla Dilma Rousseff e Antônio Patriota, quando decidiram desfazer a aliança estratégica que os antecessores haviam costurado com Teerã.

O futuro a Deus pertence, mas há uma bela chance de aqueles personagens daqui a um tempo fazerem quase qualquer coisa para recolher da praça todas as cópias daquela foto de todo mundo junto de braços levantados.