Título: Para Lula, houve quebra de tradição
Autor: Sergio Leo e Taciana Collet
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2005, Brasil, p. A7

A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara rompe uma tradição e quebra uma "cultura histórica" entre os deputados, e exigirá "novas relações entre os partidos" no Congresso, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pouco antes de encontrar-se com representantes da comunidade brasileira na capital da Guiana. Lula, que até então vinha se recusando a comentar o resultado das eleições na Câmara, aceitou conversar rapidamente em um intervalo da programação, e fez questão de repetir a declaração sobre a rearrumação das forças políticas no Congresso, em consequência da derrota do candidato governista, referindo-se à necessidade de o governo reavaliar que são os seus interlocutores no Congresso. Ele negou, porém, que a eleição de Cavalcanti vá provocar qualquer mudança na composição do ministério: "O governo não disputou, quem disputou foi o PT". "O que há de novo é a necessidade de se estabelecer uma nova relação entre os partidos políticos porque se quebrou a cultura histórica dentro da Câmara, isso é o problema" insistiu Lula. "Vocês podem ficar tranqüilos porque as coisas vão continuar funcionando normalmente, o presidente Severino não será obstáculo para nenhum projeto que seja de interesse do governo". A rediscussão das relações entre os partidos é porém um problema do Congresso e dos partidos, "não passa pelo governo", disse Lula. Desgastado pela derrota do governo, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, preferiu não classificar de traição o comportamento da base aliada, que levou à vitória de Severino Cavalcanti. A justificativa do ministro é que a base se dividiu com três candidaturas - de Cavalcanti, de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e de Virgílio Guimarães (PT-MG) - e não teve a capacidade de construir um entendimento e unidade. "Creio que a distribuição dos votos dos partidos da base em torno dessas três candidaturas também explica o resultado", disse. Rebelo foi o primeiro integrante do governo a parabenizar Severino Cavalcanti pela vitória. Em seguida, telefonou para o presidente Lula, para transmitir o resultado da votação na Câmara. "O presidente acha que a vida democrática e a democracia no Congresso foram preservados", transmitiu o ministro. "A atitude do governo sempre foi de negociação, e não mudará, nem na Câmara, nem no Senado", acrescentou. Responsável pela articulação política do Executivo com o Congresso, Rebelo não assume sozinho a responsabilidade pelo resultado: "A coordenação política é a integração de todo o governo e de todos os ministros na função política. Em função das críticas de nossos líderes, procuramos aperfeiçoar a coordenação". O ministro da Casa Civil, José Dirceu, recusou-se a comentar o resultado da eleição na Câmara, afirmando que Rebelo falaria pelo governo. "Se foi um recado do Congresso, foi desproporcional", comentou o ministro da Saúde, Humberto Costa, um dos que acompanha o presidente Lula em Georgetown. "Votaram com o coração, no amigo", disse o ministro do Turismo, Mares Guia. O ministro da Educação, Tarso Genro, disse acreditar que a derrota do candidato do governo não deverá interferir na aprovação de projetos de interesse do Planalto, mas deverá ser avaliada pela coordenação política. "Não foi um deputado representando um partido, e sim um movimento forte de uma parte dos deputados em cima de uma visão da governabilidade da Câmara".