Título: Senhores da tempestade
Autor: Pavini , Angelo ; Vieira , Catherine
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, EU & Investimentos, p. D1
De agosto para cá, os fundos multimercados enfrentaram um dos períodos mais complicados de sua história. A tempestade perfeita começou com a forte queda das bolsas em meados de agosto, quando a crise das hipotecas de alto risco americana se mostrou muito mais séria do que se imaginada. Depois, vieram os problemas com bancos internacionais e disparada das commodities, o que provocou distorções no mercado acionário brasileiro com Petrobras e Vale. Culminando este ano com o vaivém da bolsa, ocorreu o fracasso da privatização da Cesp e a alta dos juros.
Em meio a tudo isso, alguns poucos gestores conseguiram se destacar, ficando acima dos 7,89% do CDI no período de 31 de julho do ano passado até 23 de abril último. O Valor fez um estudo com base nos dados do site Fortuna que mostra que vários até ganharam muito dinheiro, com retornos de até 172,85%. O que chama a atenção entre os independentes é que os mais bem-sucedidos são fundos que investem em commodities - caso do Sparta e do Guepardo. E, mais interessante, ambos ganharam horrores no mercado de boi gordo da BM&F.
Outro ponto que chama a atenção é a presença de muitos fundos quantitativos, que deixam de lado os fundamentos e usam modelos matemáticos para buscar distorções de preços nos mercados. Nessa lista estão Principia, Kadima, Pátria e Mandarim. Eles se beneficiaram da forte volatilidade, que enlouqueceu os preços das ações, os juros e o câmbio em vários momentos. Essa mesma volatilidade complicou a vida dos fundos macro, que tentam antecipar os movimentos dos mercados, e poucos conseguiram superar o CDI.
Foi nas commodities, em especial no mercado futuro de boi gordo, que a Sparta Administração de Recursos conseguiu seu resultado de 172,85% no fundo Cíclico e de 97,59% no Anti-Cíclico. A empresa criada foi em 1993 como gestora de clubes e carteiras voltadas para os mercados de derivativos agrícolas e, a partir de 2005, passou a se concentrar em fundos de commodities, explica Ulisses Nehmi, filho do fundador da empresa, o engenheiro agrônomo Victor Nehmi Filho, com mais de 30 anos de experiência nos mercados locais e internacionais. Os dois fundos são multimercados com perfil agressivo, que fazem aplicações alavancadas, ou seja, arriscam mais do que o patrimônio, diz Ulisses. "Operamos em bolsa, juros e moedas, mas muito mais nos mercados agrícolas, que permitiram esse retorno."
Segundo ele, o boi gordo, em agosto, começou um um ciclo de alta por conta do abate de fêmeas reprodutoras nos anos anteriores. Os fundos ganharam também com a alta da soja, de US$ 14 para US$ 29 a saca. A Sparta é uma das poucas gestoras que oferecem fundos de derivativos agrícolas para o varejo, com aplicações mínimas a partir de R$ 5 mil. A gestora é relativamente pequena, tem 750 cotistas. E os fundos contam com a vantagem ainda de pagar 15% de imposto de renda, sem come-cotas.
O boi entrou em um ciclo de alta que deve durar pelo menos mais dois anos, explica Otávio Magalhães, sócio da Guepardo Investimentos e responsável pelo Guepardo Hedge 30, que acumulou rendimento de 25,5% no período. "Tudo com o boi", diz Magalhães. Segundo ele, quando o preço do boi está em baixa, os pecuaristas matam as matrizes para pagar contas e depois faltam vacas e bezerros para reposição dos rebanhos. "Por isso, vemos períodos de baixa e alta de quatro anos, bem desenhados, que é o tempo de crescimento das novas matrizes." Ele observa que este ano a pressão de alta está maior, pois, em plena safra, os preços não param de subir. O bezerro tem alta de 17,6% este ano e o boi, de 7,71%, quando deveriam estar caindo. "Quando chegar a entressafra, no segundo semestre, o boi vai subir mais."
Os fundos quantitativos foram destaque, aproveitando a volatilidade dos mercados, caso do Principia Hedge, da Principia Capital Management. A carteira aproveita as distorções entre os preços de ações para montar aplicações long/short - compra de um ativo e venda de outro correlacionado. Mas, em lugar de analisar os fundamentos das empresas, olha os modelos matemáticos e estatísticos para detectar distorções. As operações são de prazo mais curto, o que reduz também o risco do fundo.
O fundo Kadima, da gestora homônima que foi criada no ano passado, também segue uma estratégia bastante focada em modelos quantitativos. "Criamos o fundo com esse objetivo e montamos modelos matemáticos que servem como direcionamento sobre os momentos de compra e venda dos diversos ativos", explica Sergio Blank, sócio-fundador, que trabalhou por anos no Banco Brascan.
No caso do Pátria Hedge, as aplicações seguem até nove estratégias diferentes de valor relativo e arbitragem em todos os mercados, explica Thierry van Eyll, gestor e sócio da Pátria Investimentos. "Não houve uma estratégia única, quase todas deram ganhos", diz. Ele destaca, porém, a arbitragem estatística com ações usando modelos quantitativos, que aumentou os ganhos deste ano. "O cenário com um pouco mais de volatilidade é bom para as estratégias, tem sempre alguém zerando posições e isso cria oportunidades."