Título: Laboratório amplia estrutura para testar brinquedo
Autor: Martinez , Chris
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, Empresas, p. B4

Rosemary França Vianna, diretora da multinacional SGS no Brasil: "Aumentamos em dez vezes o nosso faturamento" Um carrinho de brinquedo importado desembarca no porto e, de lá, segue em caixas lacradas até Santos, onde está o laboratório da multinacional suíça SGS. Porta a dentro, passa por um verdadeiro massacre: é jogado no chão repetidas vezes, com quedas de mais de um metro de altura, depois é torturado até uma de suas peças ceder e se soltar. Na sequência, um compressor pisa, soca para checar se, uma vez espatifado, o brinquedo se transforma num perigoso objeto cortante. Depois, ele é picotado e despejado em soluções químicas que imitam o suco gástrico e exposto à mesma temperatura do corpo humano. Se resistir a essa sessão que leva, no mínimo, cinco horas, está aprovado e pode seguir para as gôndolas do varejo. Do contrário, é morte na certa.

Carrinhos e outros tipos de brinquedos vindos do exterior já estão acostumados ao massacre descrito acima, naquilo que a indústria convencionou chamar de "abuso razoavelmente previsível" feito por uma criança, segundo o engenheiro químico Alexandre Moreira, da SGS. O que mudou foi o país onde passam por esse circuito de testes. Depois da onda mundial de recalls em brinquedos, no ano passado, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) obrigou as importadoras a fazerem os testes no Brasil. Impôs, ainda, mais rigor: em vez de ser por amostras, os brinquedos passaram a ser checados por famílias de produto, ampliando consideravelmente o número de peças testadas. Além de garantir mais segurança ao consumidor, a mudança de regras fermentou os negócios dos laboratórios que vivem disso e que, até então, estavam restritos a testar brinquedos nacionais.

A SGS, uma das maiores empresas de inspeções, testes e certificações do mundo, fundada em 1878 em Genebra, multiplicou por três o número de funcionários e dobrou a área útil de seu laboratório. A ampliação só foi possível porque a companhia deslocou dois de seus 17 laboratórios sediados em Santos para o Sul e, com isso, pôde acomodar mais uma máquina de testes importada, comprada com investimento de US$ 600 mil. "Ainda não estamos trabalhando a plena capacidade e aumentamos em dez vezes o nosso faturamento", diz Rosemary França Vianna, diretora da SGS Brasil.

Mundialmente, o grupo fatura 4,4 bilhões de francos suíços e tanto em outros países como no Brasil faz certificações e testes em outros ramos, como alimentos, produtos químicos e minério de ferro. Como opera em 142 países, a SGS teria, no caso dos testes de brinquedos, apenas deslocado o pólo de serviço para o Brasil. "Não era feito aqui, mas certamente em alguns dos nossos laboratórios no mundo", diz. No país, a SGS compete com duas empresas brasileiras.

No caso do brasileiro Cebratec - Centro Brasileiro de Tecnologia e Segurança de Produto - a alteração de regras foi uma mudança e tanta. "Demos um salto inesperado", diz Bráulio Macário de Matos, engenheiro químico e diretor geral da empresa fundada em 2005. Ele conta que o laboratório, antes restrito há seis pessoas, passou a ter 22 empregados e ainda terceiriza parte dos testes numa parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). "Não estamos dando conta."

A empresa, na verdade, não estava preparada para tamanho aumento na demanda. Não tinha, por exemplo, uma sofisticada máquina de análise química que faz testes de precisão em metais pesados, como chumbo - o excesso dele em contato com o corpo pode causar dores de cabeça e até danos cerebrais.

A maior rigidez no controle da qualidade dos brinquedos importados foi determinada após a Mattel anunciar o terceiro recall de produtos fabricados na China, de onde saem 60% dos brinquedos consumidos no mundo. No último, em setembro, foram recolhidos 844 mil itens de 11 linhas. Os brinquedos, acessórios da boneca Barbie e linhas da Fisher Price, continham excesso de chumbo na tinta utilizada na sua fabricação. Um mês antes, a companhia norte-americana já havia anunciado outros dois recalls. O primeiro, de cerca de 1,5 milhão de brinquedos produzidos na China, também tinha excesso de chumbo. O segundo foi um dos maiores de sua historia: o recolhimento de 21 milhões de brinquedos no mundo, sendo 850 mil no Brasil. O problema inclui também pequenos ímãs que se soltavam e poderiam ser engolidos pelas crianças.

A Mattel pagou o seu preço por conta dos sucessivos recalls: estima-se que algo em torno de US$ 30 milhões. E, segundo a porta-voz no Brasil, Lilia Gaino, a empresa quer reforçar ainda mais os cuidados com a segurança. Isso não quer dizer, ainda, que vá deixar de produzir na China. Ainda assim, diz ela, a China não será mais tão atraente, pois hoje já são visíveis os aumentos do custo de produção e dos insumos. O custo vai estar mais caro também no desembaraço da mercadoria no Brasil. Até porque, a rigorosidade nos testes imposta pelo Inmetro serão bancadas pela fabricante ou importadora.

Paga o preço, portanto, fabricantes que já decidira, há tempos, não incluir os baratos serviços chineses na sua produção. Os produtos da dinamarquesa Lego vendidos no Brasil e fabricados na República Tcheca e na Hungria também vão passar pelo mesmo rigor dos "made in China". "Já usamos uma das matérias primas mais caras, como o plástico ABS, cuja aplicação não tem aparas ou rebarbas, não produzimos na China e ainda teremos nosso custo aumentado", diz Robério Esteves, diretor de operações da M.Cassab, a representante da Lego no Brasil.

Ele não soube precisar qual será esse aumento, mas assegurou que a empresa irá absorve-lo, não repassando ao consumidor. Este ano, diz ele, a empresa conseguirá atingir a classe C, ao oferecer brinquedos numa faixa de preço de até R$ 55.