Título: Vaias, churrasco e decepções
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2011, Política, p. 6

A contraofensiva do Planalto para enquadrar a base e pressionar os integrantes da base governista a votar favoravelmente ao projeto que estabelece em R$ 545 o salário mínimo de 2011 refletiu no comportamento de integrantes de movimentos sociais que tradicionalmente lotam as galerias do plenário da Câmara.

Na manhã de ontem, representantes das entidades sindicais ainda tinham a esperança de que a proposta de R$ 560 tivesse vitória. Organizaram um churrasco, subiram em carro de som e ocuparam o gramado em frente ao espelho d¿água do Congresso. No início da tarde, a chuva e as informações de que o Planalto já havia retomado o controle de sua base dispersaram grande parte dos manifestantes.

Os mais insistentes ocuparam cerca de um terço das galerias do plenário da Câmara. Trabalhadores ligados à Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) resistiram aos longos discursos dos cerca de 60 parlamentares inscritos para usar a tribuna.

As vaias que tomavam os discursos a cada vez que um deputado usava a vez para defender a proposta do governo desmentiam o pequeno número de manifestantes que passaram a tarde e a noite na Câmara. Quando o relator do projeto do governo, deputado Vicentinho (PT-SP), leu e defendeu a proposta de R$ 545, dezenas de representantes de entidades trabalhistas reforçaram a vaia.

Contrariando a lógica histórica, os parlamentares do DEM, como Ronaldo Caiado (GO) e Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), por sua vez, foram aplaudidos pelos sindicalistas. Deputados da base chegaram a pedir que as galerias fossem esvaziadas. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) ressaltou a ausência de representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na fileira dos manifestantes.

Gosto amargo A lembrança da central mais vinculada ao PT, no entanto, foi marcada pelas intervenções de Vicentinho. Presenciar o ex-presidente da CUT representando o Planalto em uma proposição que, segundo as entidades sindicais, prejudica os assalariados teve um gosto amargo para os ex-companheiros, desabafou Paulo Sabóia, presidente da CGTB. ¿É triste ver um partido que era de oposição se curvar a essa política neoliberal. Fazer arrocho em cima de salário mínimo é revoltante. Isso é que é tergiversar¿, disse, referindo-se à expressão usada com frequência por Dilma Rousseff. ¿Ele (Vicentinho) não podia se prestar a esse papel. O país tem 90 milhões de ocupados e o salário mínimo vai afetar 47 milhões. O líder do governo chegou às raias de fazer ameaça subliminar para aprovar o projeto¿, reclamou o presidente da CGTB.

O trabalhador rural Noé de Oliveira Santos, morador de São Sebastião, engrossou o coro dos manifestantes das centrais. Noé, que sustenta a família com o salário mínimo que recebe, defende a proposta de R$ 600. ¿Se a gente estabelecesse R$ 600, já ajudava muito os trabalhadores. Acho que, para o cidadão ter uma vida digna, ele deveria ganhar pelo menos R$ 1,2 mil.¿

Aposentados que ganham um mínimo e mais de um salário também acompanharam de perto as discussões. Os pensionistas que têm o benefício vinculado ao salário-base dos trabalhadores da ativa fizeram barulho pela aprovação do mínimo de R$ 560. Atentos à discussão que se desdobrará após o projeto do governo deixar o Congresso, os aposentados que ganham mais de um mínimo aproveitaram a mobilização para pressionar por projeto de recuperação de perdas das aposentadorias e regra para vincular o índice de reajuste do mínimo ao do benefício. ¿Eu me aposentei em 1993 ganhando cinco salários mínimos, agora ganho dois. O PT só fala nossa língua quando está na rua. Quando chega ao governo, muda até o linguajar¿, reclama o aposentado Amadeu Lima.

Nos bastidores Tiririca errou Ostentando uma elegante gravata com detalhes rosas, o deputado Tiririca (foto), PR-SP, estava desde o início da tarde de ontem sentado no plenário da Câmara, à espera da votação do reajuste do salário mínimo. Com alguns papéis na mão e prestando atenção na intensa discussão entre os parlamentares, ele tinha a resposta pronta quando questionado sobre em qual proposta votaria: ¿R$ 545¿. Mas errou. Votou a favor dos R$ 600, diferentemente da orientação do partido.

Romário inquieto Já o tetracampeão Romário (PSB-RJ) não revelava como votaria logo no início da sessão. Sentado ao lado do ex-campeão mundial de boxe Acelino Freitas (PRB-BA), o Popó, o baixinho parecia impaciente. Com as pernas inquietas e olhando os dois aparelhos de telefone celular o tempo inteiro, Romário não ficou no plenário para assistir a todo o debate. Coincidência ou não, quando estava próximo ao horário do jogo entre Arsenal e Barcelona, pela Liga dos Campeões da Europa, o ex-jogador voltou ao gabinete

Até rosquinhas O deputado Sandro Mabel (PR-GO) fez um agrado aos colegas que passaram a tarde e a noite presos no plenário discutindo a votação do mínimo. Ele levou um cesto grande repleto de rosquinhas feitas em sua fábrica, para a alegria dos colegas.

O animador O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) deixou a Casa e foi ao cafezinho da Câmara contar piadas para colegas de partido que aguardavam os intermináveis discursos para votar o mínimo.

Quem te viu, quem te vê! Paulo de Araujo/CB/D.A Press Em meio à discussão sobre a votação do reajuste do salário mínimo, o deputado gaúcho Onyx Lorenzoni (DEM-RS) usou uma foto do repórter fotográfico do Correio Braziliense Carlos Moura para relembrar um protesto de petistas, em maio de 2000, que reclamavam do aumento proposto pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na imagem, alguns dos mesmos integrantes do Partido dos Trabalhadores, incluindo Ricardo Berzoini (SP), que agora apoiam um aumento menor do que o sugerido pela oposição, aparecem reclamando dos R$ 15 de correção que o presidente tucano enviara ao Congresso.