Título: Pacto EUA-Brasil no etanol perde fôlego
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, Agronegócios, p. B14

Na semana passada, produtores de milho de nove Estados americanos estiveram no Brasil visitando fazendas de cana e usinas de etanol. O mais poderoso lobby agrícola dos EUA veio ao país em busca de ajuda. Em reuniões com agricultores brasileiros, os americanos reclamaram que sua indústria de etanol está sob fogo cerrado e queriam saber como Brasil e EUA podiam trabalhar juntos para defender o combustível. A resposta dos brasileiros foi uma polida promessa de apoio, mas nada concreto.

Está em xeque a aliança entre os dois países, os maiores produtores globais, para promover o etanol. Com o combustível na mira dos críticos por colaborar para a alta dos alimentos e por não ser tão eficiente assim no combate ao aquecimento global, o Brasil tenta se livrar do aliado inconveniente. Governo e usineiros encaram um dilema desconfortável: atacar o etanol de milho para que a opinião pública entenda quem é o verdadeiro vilão ou manter os EUA como parceiro estratégico - e necessário - para a criação de um mercado mundial para o combustível.

"Da forma como foi negociada, a parceria hoje enfrenta sérias restrições", diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Quanto mais depressa acabar, melhor. A parceria foi um erro do Brasil", afirma Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armado Álvares Penteado (Faap).

Gianetti avalia que é hora de o Brasil esclarecer para a opinião pública internacional as diferenças entre o "ethacorn" e o "ethacane". Segundo ele, o combustível oriundo da cana tem vantagens, como o dobro do rendimento e maior seqüestro de carbono da atmosfera. Mais importante, observa o representante da indústria paulista, é que é do "ethacorn", e não do " ethacane", a culpa pelo aumento do preço dos grãos (ver matéria abaixo). "As indústrias de alimentos e de petróleo, que tiveram seus interesses prejudicados, jogam tudo em uma vala comum, mas são produtos totalmente diferentes".

A cooperação entre Brasil e EUA foi selada em uma visita do presidente George W. Bush ao país em março de 2007. Foi em uma ensolarada manhã de sexta-feira que os presidentes Lula e Bush assistiram a uma exposição sobre as vantagens do motor "flex", que funciona a álcool e a gasolina. Os dois estavam sem terno e gravata, usavam capacetes da Petrobras e eram só sorrisos durante o tour por uma subsidiária da estatal em São Paulo. Lula e Bush se comprometeram a promover o etanol com os nobres objetivos de reduzir a dependência do petróleo e gerar renda sobretudo nos países pobres.

Para Ricupero, os americanos fizeram uma "jogada de mestre", porque se beneficiaram da imagem positiva do etanol do Brasil sem oferecer nada em troca, enquanto os brasileiros "cometeram um erro tático". Ele ressalta que o equívoco é do governo e da iniciativa privada. Os usineiros acreditaram que a disseminação do etanol no maior mercado do mundo ajudaria a criar uma demanda global, viabilizando as exportações. Para atingir esse objetivo, não interessava a matéria-prima do etanol ou os incentivos destinados à produção, como subsídios e tarifas de importação. Já o governo enxergou nos biocombustíveis uma oportunidade de cooperação de igual para igual com os EUA.

Em seus discursos, Lula adotou uma estratégia agressiva para diferenciar o etanol de milho do de cana. Em recente visita a Gana, o presidente brasileiro defendeu que produtos que servem como alimento não devem ser usados para fazer combustível. "As políticas de biocombustíveis só têm um equívoco, que é a decisão americana de produzir álcool do milho", disse.

Apesar das declarações de Lula, o Itamaraty diz que o ataque global ao etanol não afeta a parceria com os EUA e que o presidente não criticou os americanos, mas defendeu o etanol brasileiro. Segundo o chefe do departamento de energia do Itamaraty, André Lago, o diálogo com os EUA segue "excelente" e "fluído" em promoção em terceiros países, cooperação tecnológica, padronização e sustentabilidade. "Da mesma forma que os EUA não discutem comércio, não é o Brasil que vai dizer o que fazer com o etanol de milho", diz.

A indústria brasileira de açúcar e álcool mantém-se cautelosa no posicionamento oficial e já recebe críticas de fatias do empresariado nacional por sua postura retraída. A assessora internacional da União da Indústria Canavieira de São Paulo (Unica), Géraldine Kutas, negou que os ataques ao etanol afetem a parceria com os EUA, por ser ela limitada à transferência de tecnologia. Géraldine enumerou as vantagens do etanol de cana, mas não responsabilizou o etanol de milho pela alta dos alimentos. "Achamos que um amplo conjunto de fatores provocou esse fenômeno", diz, citando os preços do petróleo, o aumento das demandas chinesa e indiana, a quebra da safra na Austrália e a especulação financeira pós-crise nos EUA.

Gary Hufbauer, economista sênior do Instituto Internacional de Economia (IIE), sediado em Washington, diz que a parceria entre Brasil e EUA para o etanol foi "decepcionante" desde o início pela falta de substância e que, por isso, não "foi levada muito a sério". Ele avalia que o próximo presidente americano estará sob pressão para amenizar a inflação dos alimentos, o que pode significar uma revisão da base de produção do etanol ou a abertura do mercado para o produto importado. Hufbauer frisa, porém, que o lobby agrícola do milho - que já construiu uma indústria em torno dos biocombustíveis - é muito poderoso no Congresso.

Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro e do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é ainda mais pessimista em relação ao futuro do etanol como commodity global, independentemente da matéria-prima utilizada para produzi-lo. Ele entende que até 2009 os EUA seguirão com um discurso firme em favor do etanol de milho, mas depois disso o programa dependerá dos indicadores inflacionários, e hoje não há sinais de que eles estarão em patamares confortáveis.

Sem a influência de Washington, é difícil imaginar a "commoditização" do etanol, até porque os ataques contrários ao produto partem da Europa, que aposta suas fichas no biodiesel à base de canola. Para os produtores brasileiros, que têm no mercado interno demanda suficiente para sustentar as dezenas de novas usinas em construção, não seria o fim do mundo, ainda que um mercado sem fronteiras fosse muito mais interessante. (Colaborou Fernando Lopes)