Título: Cartilha da UE para importar ameaça as vendas brasileiras
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, Agronegócios, p. B14

O Brasil pode ser especialmente afetado por dois dos critérios de sustentabilidade que a União Européia (UE) planeja impor nas importações de biocombustíveis, avaliam analistas na Europa.

O primeiro é a relação entre produção e preços dos alimentos. Bruxelas estuda exigir que os exportadores respeitem o "critério social" de produzir sem provocar a alta dos custos da comida.

Dependendo da interpretação que for dada a esse critério - ainda mais durante uma crise alimentar -, analistas vêem o risco de "desmonte" do objetivo europeu para os biocombustíveis representarem até 10% do combustível usado em transporte na Europa por volta de 2020. Isso afetaria os biocombustíveis ainda mais globalmente, e não apenas no velho continente.

O segundo critério com maior efeito sobre o Brasil trata do uso indireto de terras na produção de biocombustível. A idéia é de que a produção de etanol no Nordeste brasileiro, por exemplo, escasseia a terra na região para produzir alimentos e faz agricultores se deslocarem e desmatarem mais a Amazônia.

Assim, o cálculo da eficiência ambiental do etanol importado do Brasil teria que incluir o volume de emissões de gases de efeito estufa no desmatamento da Amazônia, mesmo se não foi para produzir biocombustível.

Se esse critério for aceito, o etanol brasileiro não atenderá às exigências de Bruxelas de redução básica dos gases de efeito estufa na comparação com a gasolina.

A Comissão Européia, o braço executivo da UE, quer que o biocombustível garanta uma redução mínima de 35% dos gases, e o Parlamento Europeu, de 50%.

Estudos mostram que o etanol brasileiro permite redução de emissões por volta de 90%. Mas o número cai "assustadoramente", bem abaixo de 30%, quando se contabiliza o uso indireto de terra por causa do etanol, numa contabilidade usada em estudo encomendado pelo Ministério de Meio Ambiente da Alemanha, segundo fontes que tiveram acesso ao documento.

O Conselho europeu (que reúne os representantes dos 27 países membros), a Comissão Européia e o Parlamento Europeu esperam chegar a um acordo em maio sobre a diretiva final.

As três instituições estão de acordo, em todo caso, que o etanol sustentável ambientalmente não poderá ser obtido a partir de matérias-primas cultivadas em áreas úmidas ou de florestas, e que deve haver provas de eficiência energética na produção, defesa da biodiversidade e certificação, entre outras medidas.

O país que importar etanol com o selo ambiental terá incentivo - uma tarifa menor, por exemplo - e poderá contabilizar essa importação no cumprimento de suas metas de redução dos gases de efeito-estufa.

Um grupo de 11 países em desenvolvimento - incluindo o Brasil - alertou recentemente a União Européia para evitar barreiras disfarçadas ao comércio.

Mas Bruxelas retrucou que respeitará as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) porque não proibirá a entrada de etanol. Qualquer país poderá importar biocombustível sem garantia de sustentabilidade social e ambiental - só que não terá incentivos e nem poderá usar essa importação para cumprir suas metas ambientais. Na prática, como as tarifas são elevadas, a importação de etanol sem selo ambiental será inviável na Europa.