Título: Possíveis medidas alfandegárias de combate à pirataria
Autor: Manente , Luiz Virgílio ; Martins , Marlio
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Com a pirataria, o Brasil experimenta consideráveis perdas tributárias e na geração de empregos. Além disso, os proprietários de marcas e patentes e os titulares de direitos autorais no Brasil sofrem prejuízos que diminuem a circulação de riqueza na economia nacional. Apesar de a opinião pública estar aparentemente mobilizada contra a pirataria e o cenário nacional ter melhorado muito desde a criação, em 2004, do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, ainda há muito a ser feito para que o Brasil consiga vencer a luta contra a pirataria.

Dentre os pontos fracos da atuação do país nessa área destaca-se o procedimento alfandegário de combate à importação de produtos contrafeitos, previsto na Lei da Propriedade Industrial e na regulamentação complementar. A experiência prática revela que a inexistência de uma ferramenta que auxilie as autoridades alfandegárias na análise de mercadorias importadas, aliada ao fato de que a maior parte dos agentes da Secretaria da Receita Federal não é treinada para identificar produtos contrafeitos, faz com que apreensões de mercadorias contrafeitas normalmente ocorram somente quando a Receita tem fortes suspeitas sobre determinado carregamento de bens ou quando o proprietário da marca registrada peticiona requerendo providências da secretaria.

Para alterar este cenário, o país poderia adotar uma base de dados eletrônica que fosse acessada pelos agentes da Receita ao longo de toda a região fronteiriça, em todos os portos e aeroportos. Esta ferramenta seria administrada pela Receita, sendo que os proprietários de marcas registradas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) efetuariam o arquivamento de informações adicionais sobre a marca, além de imagens da marca registrada e de produtos autorizados a ostentá-la.

Com acesso a todos estes dados e imagens, os agentes da Receita poderiam combater a importação de produtos contrafeitos de uma forma muito mais eficaz e, em especial, sem a necessidade de a iniciativa das apreensões estar condicionada à existência de suspeitas sobre carregamentos de bens ou à atuação dos proprietários das marcas. Os efeitos negativos decorrentes dos elevados índices de pirataria no Brasil poderiam certamente ser minimizados com a utilização desta simples ferramenta de auxílio.

-------------------------------------------------------------------------------- O país poderia adotar uma base de dados que fosse acessada pelos agentes da Receita em toda a região fronteiriça --------------------------------------------------------------------------------

Um exemplo de grande sucesso na utilização de instrumento similar no combate à importação de produtos piratas é encontrado nos Estados Unidos, onde foi adotado um sistema chamado "Intellectual Property Rights e-Recordation". Mediante o pagamento de US$ 190,00 para cada classe internacional em que a marca é protegida, o titular de uma marca registrada naquele país transfere para as autoridades aduaneiras informações e imagens da marca e de produtos autorizados a ostentá-la. As informações e as imagens são transferidas via internet e são arquivadas em uma base de dados que pode ser acessada pelas autoridades americanas em todos os portos e aeroportos do país.

As estatísticas comprovam a eficácia de tal ferramenta. Dados levantados pelo próprio governo americano indicam que o número de apreensões e o valor total dos bens apreendidos aumentaram de forma exponencial, passando de 6.500 apreensões no total de US$ 94.019.227,00 em 2003 para 13.657 apreensões no total de US$ 196.754.377,00 em 2007.

É certo, porém, que a utilização deste novo mecanismo, por si só, não seria suficiente para solucionar os problemas enfrentados pelo Brasil neste campo. Por isto, em paralelo às medidas que devem ser tomadas pelo setor público, o setor privado poderia mudar a postura que geralmente adota para combater a pirataria. Os proprietários de marcas registradas, por exemplo, deveriam concentrar suas ações anti-pirataria na alfândega, e não quando as mercadorias contrafeitas já se encontram no mercado nacional e o dano já foi configurado. Poderiam, também, colaborar com o treinamento dos agentes da Receita Federal, oferecendo palestras e seminários, por exemplo. Note-se que os custos destes treinamentos podem ser compartilhados por diversos proprietários de marcas, ainda que concorrentes em determinados segmentos do mercado. Afinal, a pirataria prejudica a todos da mesma forma, de modo que unir forças para combatê-la é a providência menos onerosa e mais racional.

Finalmente, entendemos que as mudanças poderiam ser largamente incentivadas e facilitadas pelo governo brasileiro, uma vez que beneficiariam o país como um todo. Com maior sucesso no combate à pirataria, o país passaria a ser visto com melhores olhos no cenário econômico internacional, elevaria a arrecadação tributária, facilitaria a geração de empregos e diminuiria o número de processos levados ao Poder Judiciário.

Luiz Virgílio Manente e Marlio de Almeida Nóbrega Martins são, respectivamente, sócio e advogado da área contenciosa de propriedade intelectual do escritório TozziniFreire Advogados

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