Título: Cade deveria analisar fusões antes que fossem feitas, diz especialista dos EUA
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 30/04/2008, Brasil, p. A2
As fusões e aquisições deveriam ser aprovadas previamente pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para evitar que seja difícil de separar as empresas depois. A opinião é de Thomas Barnett, o procurador-geral da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A falta de aprovação prévia de fusões cria, segundo Barnett, "o problema do ovo mexido": "Depois que uma fusão se consolidou, é difícil mudá-la", disse. "Se mexermos na gema fica difícil separá-la da clara", comparou.
A aprovação prévia é o principal ponto da reforma do Cade, em tramitação no Congresso, mas o projeto de lei foi engavetado na Câmara dos Deputados, para desânimo dos conselheiros do órgão, que são obrigados a decidir sobre fusões e aquisições depois da realização dos negócios das empresas. A presidente do Cade, Elizabeth Farina, esteve várias vezes no Congresso e participou de dezenas de seminários sobre a reforma do órgão, nos quais o principal ponto dos debates foi a aprovação prévia de fusões, mas o texto sequer foi votado na Comissão Especial criada para debater o assunto. Apesar de o projeto de lei fazer parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ele está há dois anos sem votação na Câmara.
Barnett explicou que, nos Estados Unidos, é dada "alta prioridade" para a aprovação de fusões e aquisições justamente para liberar os negócios das empresas e não retardar o movimento da economia. "Qualquer atraso pode causar danos ao mercado." No ano passado, foram aprovadas 2,2 mil fusões naquele país. O Cade julga entre 500 e 600 fusões por ano, só que, em todos os casos, a análise é feita após a realização dos negócios pelas empresas. "O Brasil quer analisar as fusões o mais cedo possível e isso é importante", disse Barnett.
O procurador-geral tocou em outro ponto em forte debate no Cade: se as empresas devem confessar a culpa para assinarem acordos que encerrem acusações de cartel. Para ele, os acordos são importantes para as autoridades descobrirem os cartéis. Neste ponto, Barnett fez uma diferença entre os acordos de leniência - pelos quais uma empresa confessa às autoridades a prática de cartel para obter redução de pena - e os acordos nos quais empresas antecipam o pagamento de multas para se livrarem do processo onde são investigadas por cartel. Barnett disse que a leniência é a forma mais efetiva de se descobrir cartéis. "Cartéis trabalham secretamente e precisamos detectá-los. Se uma empresa confessar a sua participação, isto cria um conflito com os outros membros do cartel."
Já nos outros acordos as autoridades devem impor penas severas às empresas que cometem infrações à concorrência. Nos Estados Unidos, há multas milionárias e até prisões, disse Barnett. No Brasil, o Cade pode assinar acordos, mas eles valem apenas para livrar as empresas de processos na esfera administrativa, em troca da antecipação da pena. Na esfera penal, os integrantes do cartel ainda podem responder a processos. Por isto, há dificuldades de o Cade convencer empresas a assinar esse tipo de acordo com a confissão de culpa das empresas. Os empresários pagam para se livrar do processo no Cade, mas ainda podem responder criminalmente pelo cartel. Para Barnett, a admissão de culpa "é importante para mostrar que o cartel é uma atividade fraudulenta".