Título: Não se governa sem PMDB, e menos ainda com ele
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/04/2008, Opinião, p. A18

De fato, como diz o deputado Michel Temer (PMDB-SP), "ninguém governa sem o PMDB". Mas é igualmente verdadeiro dizer que, com o PMDB, ninguém governa. Essa federação de partidos estaduais, que consegue se manter como uma das maiores legendas do país sem ser diretamente uma alternativa de poder, já que não dispõe de lideranças nacionais competitivas para disputar a Presidência, tem desempenhado ao longo do tempo o papel de aliado fundamental de qualquer governo num cenário partidário pulverizado.

Como é na sua grande bancada que reside a sua força, e também na habilidade de seus líderes (ou na força bruta, dependendo do momento) de usá-la para distribuir poder a lideranças regionais guindadas ao cenário nacional, é fundamental para o PMDB antecipar-se aos movimentos dos eleitores e saber de que lado deve estar para continuar governo. A espetacular virada que o ex-governador Orestes Quércia, cacique do PMDB de São Paulo, deu no quadro eleitoral paulistano, foi, sem dúvida, uma antecipação de 2010. E se num primeiro momento parece apenas mirar o prefeito Gilberto Kassab (DEM), em detrimento do tucano Geraldo Alckmin, na verdade rearruma as forças políticas para as eleições presidenciais, favorecendo a candidatura do governador José Serra e trazendo o epicentro das negociações para o Estado mais rico da Federação, quando elas já haviam se expandido para além das "elites brancas" paulistas (na designação do ex-governador Cláudio Lembro) e ganhado as terras mineiras, atraídas pelas negociações entre o governador tucano Aécio Neves e o prefeito de Belo Horizonte, o petista Fernando Pimentel.

Apesar da rivalidade histórica entre Quércia, que fez o acordo municipal, e o presidente nacional do PMDB, Michel Temer, o acordo paulistano soa como uma articulação bem ensaiada e um golpe de mestre para recolocar o PMDB no centro do poder - e, pelo visto, o partido aposta que o governador Serra tem chances reais de eleger-se sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. O efeito visível do acordo DEM-PMDB é desestabilizar as pretensões do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) de disputar as eleições para a prefeitura da capital, mesmo contra Kassab. Mas isso está longe de significar um rompimento entre PSDB e DEM - cuja aliança marcou sucessivos governos tucanos em São Paulo e os dois mandatos presidenciais do também tucano Fernando Henrique Cardoso. Se Alckmin recuar e aceitar o oferecimento de se candidatar a um terceiro mandato no Palácio dos Bandeirantes em 2010, numa eleição que teria Serra na cabeça de chapa como candidato a presidente, a petista Marta Suplicy, se for a candidata do PT à prefeitura da capital, teria contra si não apenas Kassab, mas uma poderosa coligação entre PSDB, PMDB e DEM. Uma derrota de Marta nas eleições municipais a inviabilizaria como candidata a presidente pela legenda do presidente Lula em 2010 - e ela é a liderança petista hoje mais visível nacionalmente e com mais chances de cumprir este papel.

A manobra quercista, portanto, está longe de ser antitucana. Tem o poder de colocar um pé do PMDB no governo Lula e outro num eventual futuro governo tucano. Mas, se a jogada política tem o poder de reafirmar a máxima de que "ninguém governa sem o PMDB", pode também perpetuar o entendimento de que "ninguém governa com o PMDB". Os governos pós-redemocratização, todos eles, sofreram graves crises de governabilidade. O PMDB esteve atrás de várias delas. Ao longo da história, o partido tem se firmado, eleição após eleição, como aquele que tem a posição mais consolidada - a sua bancada não sofre grandes variações, mesmo não possuindo candidatos com chances de chegar à Presidência. Em compensação, o fato de ser uma soma de interesses de caciques regionais, e o poder que dispõe no Congresso, torna-o uma legenda com votos negociáveis um a um, sem a garantia de sólido apoio a qualquer governante. É esse mesmo PMDB que, depois de fazer um difícil acordo com o presidente Lula e repetir o seu padrão de comportamento político no Legislativo - jamais unido, nunca fazendo uma negociação coletiva, sempre abrindo espaço para chantagens individuais -, prepara-se para cumprir o mesmo papel em 2011, com o novo governo - que, aposta, será de Serra. Lula teve grandes dificuldades com o partido. Serra, se eleito, vai repeti-las.