Título: Fazenda tenta reabrir ações tributárias
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2008, Brasil, p. A3

No fim de 2005, a Lojas Americanas saiu vitoriosa em uma ação judicial milionária. Ela pleiteou na Justiça o direito de compensar com outros tributos federais os créditos oriundos de prejuízos fiscais de Imposto de Renda (IR). A companhia também ganhou o direito de corrigir pela Selic esses créditos.

Com base em decisão final da Justiça, a companhia obteve da Receita Federal autorização para usar os direitos conseguidos no processo judicial encerrado a seu favor. A ação vencida pela varejista também incluía a correção e a compensação de bases negativas da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Em 2006, a companhia reconheceu em balanço os efeitos da atualização dos créditos fiscais pela Selic e, com isso, melhorou seus resultados. A atualização elevou o lucro líquido da companhia em R$ 68 milhões. Representativo, o valor superou a metade dos R$ 123 milhões de lucro obtido pela Lojas Americanas em 2006.

No primeiro trimestre do ano passado, a rede varejista continuou aproveitando os direitos garantidos na ação judicial. A empresa usou R$ 95,64 milhões em créditos de prejuízos fiscais.

Cerca de um ano e meio após encerrado o processo judicial na qual saiu vitoriosa, a Lojas Americanas foi alvo de uma ação rescisória, na qual a Fazenda Nacional tenta, na prática, rediscutir justamente a correção pela Selic de prejuízos fiscais e bases negativas acumulados desde 1995 e sua compensação com outros tributos federais. Por meio da ação rescisória, a Fazenda quer, na prática, "reabrir" a discussão vencida pela Lojas Americanas em processo judicial já encerrado. O processo tramita no Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro.

A situação da rede varejista é cada vez mais comum. O volume de ações rescisórias, que na prática reabrem um processo já encerrado na Justiça, cresceu na área de tributos arrecadados pela União. Em São Paulo, a Procuradoria da Fazenda havia ajuizado um total de 23 ações desse tipo entre 2003 e 2006. No ano passado as ações saltaram. Foram ajuizadas 27 dessas ações somente em 2007. Em Brasília, dados consolidados desde 2006 mostram que foram ajuizadas no período 30 rescisórias no STJ e 5 no STF .

O volume parece pequeno, mas salta aos olhos dos advogados que consideram que a ação rescisória só deve ser ajuizada em situações extremas. "Esse tipo de ação só deveria ser usado em casos excepcionalíssimos, mas estão se tornando cada vez mais comuns", diz Maucir Fregonesi, sócio do Siqueira Castro, escritório que acompanha atualmente em torno de 15 ações rescisórias.

Polêmica, a ação rescisória geralmente envolve valores representativos para as empresas e ainda tem seu alcance discutido no Judiciário. Para a Fazenda Nacional, esse tipo de processo anula a decisão que é alvo da rescisória. "Sendo desconstituída, a decisão perde todos os seus efeitos, inclusive os que foram aproveitados antes do ajuizamento da ação rescisória", defende o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Luiz Dias Martins Filho. Ou seja, nesse caso, a Lojas Americanas teria que reverter todos os procedimentos que geraram lucro maior em 2006 e que lhe possibilitou saldar com créditos de IR e CSLL quase R$ 100 milhões em tributos no ano passado.

Os tributaristas, porém, defendem um alcance bem mais restrito das rescisórias. Para eles, as rescisórias não anulam totalmente a decisão anterior. "Seus efeitos só podem acontecer a partir do momento em que foi protocolada", diz a advogada Ana Cláudia Akie Utumi, do TozziniFreire. "Caso contrário, seria violada a segurança jurídica." Procurada, a Lojas Americanas informou que não comenta assuntos em discussão judicial.

O volume de ações rescisórias chama muita atenção também em função da diversidade atual de assuntos. Há cerca de cinco anos as rescisórias só tratavam praticamente da CSLL. Quando foi instituída, a CSLL foi questionada. O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a sua cobrança inconstitucional somente em 1988, em razão de um problema de anterioridade. A partir de 1989, a contribuição foi mantida pelo Supremo. A decisão final do STF, porém, demorou muitos anos para sair e nesse ínterim várias empresas haviam conseguido decisão que as livrara definitivamente da CSLL e não somente em 1988. As rescisórias surgiram, então, para anular as decisões que permitiam às empresas não pagar nunca a CSLL.

Hoje, as ações rescisórias tentam rediscutir cobranças dos principais tributos recolhidos pela União, como IR, IPI, PIS, Cofins e até Cide. A Volkswagen, por exemplo, foi alvo de uma rescisória ajuizada neste ano e que tenta anular uma decisão que lhe garantiu redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A montadora havia conseguido o o direito de deduzir os descontos incondicionais na venda de veículos no cálculo do imposto. A rescisória tramita na Justiça Federal em São Paulo. Procurada, a montadora preferiu não comentar o assunto. A dedução de descontos incondicionais no IPI é considerada pela Procuradoria Regional da Fazenda como um dos principais assuntos discutidos em rescisórias ajuizadas em São Paulo.

A Certisign também foi alvo de rescisória. No caso da certificadora digital, a Fazenda tenta reverter uma decisão que a desonerou da Cide paga pela empresa pelo direito de uso de software. Procurada, a companhia informou que não tinha porta-voz para comentar o assunto.

Segundo o procurador Martins Filho, as rescisórias só são ajuizadas quando a Fazenda considera que há grande probabilidade de vitória da União e em casos importantes. A maior dificuldade da rescisória, explica Martins Filho, é a demora na decisão, já que se trata de um novo processo judicial, com possibilidade de recurso aos tribunais superiores, inclusive. Nos casos que chegam ao final, porém, as decisões são a favor da União. "A taxa de êxito para a Fazenda é de 80%."

O advogado Marcelo Anunziatta, do escritório Mattos Filho, confirma o volume de decisões a favor do fisco. "O êxito da Fazenda acontece principalmente nos casos que tratam de assuntos levados ao STF, porque incluem argumentos com base na Constituição Federal", explica. Segundo o advogado, o Judiciário entende que a rescisória é válida nos casos em que há julgamento definitivo do STF validando determinadas cobranças tributárias, mesmo que o contribuinte tenha obtido anteriormente decisão em processo já encerrado, livrando-o da cobrança numa época em que o Judiciário emitia decisões divergentes sobre o assunto.

O advogado Plínio Marafon, do Braga & Marafon, explica que provavelmente as rescisórias devem ganhar volume ainda maior quando começarem a sair as grandes decisões sobre questões tributárias esperadas no Supremo. No caso de decisões favoráveis do STF, lembra, as rescisórias podem partir das empresas e não somente da Fazenda. "Se as empresas tiverem perdido processos no passado e o STF virar a questão a favor dos contribuintes, haverá uma boa oportunidade para as rescisórias", diz ele. O que pode restringir a iniciativa das empresas, lembra o advogado, é o prazo. A rescisória precisa ser ajuizada em até dois anos após o encerramento do processo que se pretende rediscutir.