Título: Indicadores já mostram desaceleração
Autor: Raquel Salgado, Marli Olmos, André Vieira e Ivana
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Brasil, p. A3

A política monetária apertada já começa a ter impacto sobre a atividade econômica. Indicadores antecedentes importantes - como a produção de veículos e a expedição de papelão ondulado - sugerem que a produção industrial de janeiro registrou queda em relação a dezembro. Segundo analistas, a desaceleração é em parte um movimento natural, algo esperado após o robusto crescimento do ano passado, mas que já sofre a influência da alta de juros iniciada em setembro. O impacto das seguidas elevações da taxa Selic sobre a atividade econômica vai aumentar nos próximos meses, já que há uma defasagem de três a seis meses para que a política monetária produza seus efeitos sobre a economia, como lembra o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada. Já o efeito sobre os preços é mais lento, levando de seis a nove meses, afirma ele, o que ajuda a explicar a resistência da inflação à alta dos juros. Em janeiro, três indicadores mostraram queda em relação a dezembro, na série livre de influências sazonais. A produção de veículos recuou 13,8%, o fluxo de veículos pesados, 1,4% e a expedição de papelão ondulado, 8,1%. Esses números levam Jensen a projetar queda de 1,5% da produção industrial em janeiro na comparação com o mês anterior, em termos dessazonalizados. O economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, projeta recuo na casa de 1%, o que, para ele, seria consistente com a defasagem normal entre mudanças na política monetária e o efeito sobre a atividade. Para Jensen, um recuo de 1,5% deve trazer a produção para o nível registrado no começo do segundo semestre de 2004, ainda um patamar bastante alto, avalia. O crescimento significativo de dezembro, quando a indústria teve expansão de 0,6% em relação a novembro, seria um ponto fora da curva. O desempenho indicaria que houve recomposição de estoques no fim de 2004, e não uma nova aceleração da economia, afirma ele. O economista-chefe da MCM Consultores, Celso Toledo, diz que os indicadores de janeiro sugerem desaceleração da atividade econômica, apontando um ritmo de crescimento mais baixo do que nos meses anteriores. Para Toledo, é difícil avaliar em que medida a perda de força da economia se deve à alta de juros, mas "é lícito acreditar que parte dela se deve à política monetária mais apertada". Para Jensen, o impacto da alta dos juros sobre a economia mal começou, e será sentido com força principalmente no primeiro trimestre do ano. Com isso, a insistência do Banco Central (BC) em aumentar os juros pode causar estragos maiores na economia nos próximos meses, uma vez que boa parte do efeito das altas promovidas desde setembro ainda vai se concretizar. E por que os preços demoram tanto a reagir à elevação da Selic? O primeiro ponto, segundo Jensen, é que a alta de juros demora mais para afetar a inflação do que a atividade econômica. Toledo afirma ainda que o impacto da política monetária sobre os preços é mais incerto do que sobre o nível de atividade. Ele ressalta que estão em curso na economia fenômenos que reduzem a eficácia da política monetária. A expansão do crédito, a juros mais baixos e prazos mais longos em algumas modalidades de empréstimos, mesmo num cenário de aumento da Selic, é um dos mais importantes, afirma Toledo. Isso acaba por dificultar a ação do BC, fazendo a convergência da inflação para as metas ser mais lenta. Ele também avalia que hoje há uma inércia inflacionária elevada na economia, que não se limita ao forte impacto dos preços administrados sobre os índices. Os núcleos de inflação, mesmo os que excluem preços administrados e alimentos, estão na casa de 0,6% ao mês, uma taxa incompatível com a meta deste ano, de 5,1%. Isso não quer dizer, porém, que a política monetária perdeu a eficácia, afirma Toledo. Com juros reais elevados e câmbio valorizado, a inflação vai cair - a dúvida é a velocidade de queda. Para Toledo, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) deve ficar acima da meta de 5,1%, mas, com juros tão altos, não há nenhum risco de descontrole inflacionário. Nesse cenário, ele avalia que a relação custo-benefício da política monetária começa a ficar desfavorável. O risco é de uma queda mais forte da atividade econômica dentro de alguns meses.