Título: Juros e câmbio afetam vendas no bimestre
Autor: Raquel Salgado, Marli Olmos, André Vieira e Ivana
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Brasil, p. A3

Empresários brasileiros de alguns segmentos já percebem queda ou um menor ritmo de crescimento das encomendas neste início de ano. Para associações e empresas consultadas pelo Valor, o recuo no nível de atividade é justificado por três fatores: elevação da taxa de juros, valorização do real frente ao dólar e aumento da carga tributária no país. No setor siderúrgico, a expectativa é de baixa de 10% na produção de fevereiro sobre janeiro, quando o crescimento foi de 14% acima de dezembro de 2004 e mesmo assim ficou 8% aquém do esperado. Para Carlos Loureiro, presidente da Rio Negro, o ramo da construção civil já dá sinais claro de retração. A venda de produtos para este setor, como batentes e tubos de pequeno diâmetro, recuou em janeiro. "Os juros altos inibem, principalmente, os investimentos em habitação, mesmo com as medidas recentes para estimular esse lado da construção civil", opina. E as consequências são sentidas por outros setores da indústria, como o de eletrodomésticos e móveis. Movimento semelhante foi verificado pela indústria de plástico. Merheg Cachum, presidente da Abiplast, associação que representa o setor, conta que as encomendas de caixas d'água, tubos de PVC, conectores, tomadas e fios caíram sensivelmente em janeiro, cerca de 30% na comparação com os resultados de janeiro do ano passado. "A venda de transformados de plástico ficou entre 15% e 30% menor nesse período", afirma. Segundo ele, o desempenho do setor no final do ano foi muito bom e por isso a perspectiva para este início de ano era de recomposição de estoques, o que não aconteceu. "A desaceleração está espalhada e atinge desde supermercados até produtores de linha branca." Apesar de não fazer previsões pontuais sobre o comportamento da economia, o presidente do Sindicato das Indústrias de Resinas Sintéticas no Estado de São Paulo (Siresp), José Ricardo Roriz Coelho, disse que a demanda continua favorável aos fabricantes de resinas plásticas. "O mercado está comprador", disse Coelho, que vê, contudo, problemas para setores que dependem mais de crédito. No ramo de papel e papelão, considerado termômetro da atividade industrial, o cenário também não é animador. Roberto Jeha, presidente da Indústria de Papel e Papelão São Roberto, conta que a produção de janeiro e fevereiro seguiu ritmo semelhante ao do último trimestre de 2004, quando teve início o arrefecimento da atividade do setor. Em janeiro de 2005, a produção de papel e papelão ficou em 161 mil toneladas, 2,5% acima de janeiro de 2004, mas 7,5% abaixo de janeiro de 2002. Jeha projeta alta semelhante para fevereiro. Ele pondera que a situação pode piorar, pois os contratos de janeiro e fevereiro foram fechados com o câmbio próximo a R$ 2,80. O ritmo na indústria automotiva, ao contrário, continua acelerado. A média diária de venda de carros de passeio e comerciais leves na primeira quinzena de fevereiro - 6,4 mil unidades - ficou 51% acima da média diária de fevereiro de 2004. No ano passado, o Carnaval foi na última semana de fevereiro. Nas primeiras duas semanas deste mês foram licenciados 51,7 mil carros e comerciais leves. Com esse volume, o setor recuperou-se do fraco desempenho em janeiro. Na primeira quinzena do mês passado, foram emplacadas 49,7 mil unidades. Na Sogefi, grupo italiano que fornece filtros para automóveis, a produção continua elevada. Segundo o diretor da empresa Elias Mufarej, o ritmo está mais acelerado do que há um ano, semelhante à atividade do último trimestre de 2004, época em que a indústria automotiva começou a crescer mais. O diretor executivo da Associação Brasileira dos Importadores de Veículos (Abeiva), Luiz Carlos Mello, concorda que o mercado automotivo é um dos últimos a sentir o impacto do aumento da taxa básica de juros. As taxas de juros para financiamentos de veículos não sobem na mesma proporção. Em parte, isso ocorre porque boa parte das montadoras tem financeiras próprias. A Lupo ainda não sentiu a retração do consumo. Segundo Valquírio Cabral Jr, diretor comercial da Lupo, as vendas da fabricante de meias e lingerie subiram neste início de ano. O faturamento de janeiro ficou 5% acima de igual mês do ano passado. Nos primeiros quinze dias de fevereiro, também houve uma alta de 7%. Cabral Jr observa que a partir do próximo mês, quando a empresa fecha os contratos de venda para o período de inverno, será mais perceptível o reflexo das constantes altas de juros no consumo. "Com certeza é preocupante. Pode haver um impacto nas vendas, principalmente se as empresas pararem de investir e não contratarem mais." Os efeitos de juros mais altos sobre o varejo, no entanto, ainda são incipientes. Com uma renda que patina, apesar da melhora do emprego, o comércio não está em posição de dificultar as vendas. Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), diz que os varejistas não repassaram para o crediário a elevação da Selic nem reduziram os prazos de pagamento. No entanto, na primeira quinzena de fevereiro, as consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) cederam 1,5%, enquanto as consultas ao UseCheque caíram 3,3%. Para os atacadistas o início de 2005 também não está sendo nada animador. Segundo a Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), as vendas em janeiro ficaram, em média, 10% abaixo das expectativas. Em fevereiro, se não houver uma melhora nas duas últimas semanas do mês, o setor deverá repetir um volume de vendas 10% abaixo do esperado. "O mercado está muito frio", afirma o presidente da Abad, Geraldo Caixeta. Dono do atacado União, de Uberlândia, ele diz que na sua empresa as vendas em janeiro foram 8,5% menores que no mesmo período de 2004.