Título: Etanol do Brasil não é o alvo, diz líder do PV alemão
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2008, Especial, p. A10

O alemão Reinhard Bütikofer ficou impressionado com a visão de São Paulo desde o terraço do Edifício Itália, no centro da cidade. "Pelo pouco que vi, São Paulo é limpa e bem mais verde do que imaginava", diz o presidente do Partido Verde alemão, o Bündnis 90/Die Grünen, o maior e mais poderoso do mundo. Bütikofer veio para o 2º Global Greens, um megacongresso que reúne no Memorial da América Latina, até domingo, 500 militantes e ativistas políticos verdes de 81 países. Na agenda dos debates, mudanças climáticas e biodiversidade.

Filósofo, historiador e especialista em China, Bütikofer, de 55 anos, chegou a São Paulo na terça-feira à noite, em meio a chuva e congestionamento. Pareceu se inspirar: "4% dos chineses são donos de carros. Na Europa são 60%, nos EUA, 80%, e aqui em São Paulo me falaram que são 50%", começou. "Seria um pesadelo se os chineses copiassem nosso estilo de vida."

Ele aterrissou em dias de polêmica sobre a produção de biocombustíveis e o preço dos alimentos no mundo. "Até onde vejo, o Brasil não é o foco da discussão na Europa. O etanol brasileiro está no lado positivo do debate."

O foco, resumiu, estaria na produção de óleo de palma na Indonésia (que a Alemanha importa em grande quantidade) à custa de florestas, na baixa eficiência energética do etanol de milho dos EUA, na dúvida de quanto e como os biocombustíveis efetivamente ajudam o ambiente e na pressão sobre a indústria automobilística para que produza carros menos poluentes. No topo, a interface entre biocombustíveis e alimentos.

"Acho que esta questão, na Europa, é menos uma resistência do movimento ambientalista do que uma resistência de círculos industrializados que acreditam que substituindo gasolina por biocombustíveis podem evitar investimentos tecnológicos na produção de motores mais eficientes ou automóveis mais sustentáveis."

Valor: Como o senhor virou um especialista em China?

Reinhard Bütikofer: Não é assim, não sou um especialista... Há 30 anos, entrei em uma livraria em Londres e vi aqueles livros da editora Penguin para aprender frases em outras línguas. Havia um de chinês e outro de suaíli. Fiquei em dúvida, mas acabei escolhendo o de chinês. Depois, na universidade, estudei chinês antigo. Gosto de línguas. Fui para a China várias vezes.

Valor: Em termos ambientais, quando se pensa em China e Índia, a conta que se faz é que um bilhão de pessoas no mundo desenvolvido consome muito e cinco bilhões quase não consomem. Se este pessoal quiser ter carro, comer carne, viajar, como vai ser? O sr. acha que os superconsumidores estão dispostos a consumir menos para que chineses e indianos consumam mais?

Bütikofer: Seria um pesadelo se os chineses copiassem o nosso estilo de vida e eles sabem disso. Claro que é legítimo que queiram melhorar a vida que têm. Mas começaram a perceber que, nos últimos 20 anos, causaram muitos danos ao seu ambiente. Estão minando seu próprio desenvolvimento e tirando o chão sob seus pés, literalmente, ao poluírem o solo e a água em níveis terríveis. Eles começam a falar em como melhorar isso e acho que temos que ajudá-los a desenhar um novo modelo de desenvolvimento. Já há experiências muito interessantes na China.

Valor: A que o sr. se refere?

Bütikofer: Em grandes cidades na província de Sichuan, por exemplo, as motos não queimam gasolina. Em Nova Déli é parecido.

Valor: E andam como?

Bütikofer: Não sei qual é a tecnologia. Mas não andam com gasolina, usam muito gás. Há esforços em melhorar ambientalmente. É uma questão de ter tecnologia, de planejar um novo padrão de vida e de motivar - e liberar - pessoas a pensarem em termos de inovações ambientais. É preciso transformar o que herdamos. É o que os chineses chamam de "environmental civilization".

Valor: Que conceito é esse?

Bütikofer: Ainda é mais um slogan do que um conceito. Eu o escutei pela primeira vez na China em 2007. É uma meta que tem a ver com a redução de CO2, com ter menos impactos industriais negativos, com obter uma agricultura que dependa menos da exploração de recursos naturais. Neste momento, a "civilização ambiental" chinesa é um objetivo que eles vislumbram e que tem mais a ver com uma necessidade do que com uma solução.

Valor: Voltando ao consumo: o sr. acha que os consumidores europeus e americanos estão dispostos a uma redução vigorosa?

Bütikofer: Depende do que se quer dizer por redução de consumo. Não há uma conexão necessária entre determinado nível de riqueza material, por um lado, e a emissão de gases estufa, por exemplo. Pode-se ser mais eficiente no uso da energia, na tecnologia, na reciclagem e manter o padrão de vida em alto nível. Agora, se pegarmos o CO2 como medida, é óbvio que nós somos superconsumidores. A Alemanha emite, per capita, 10 toneladas de CO2 por ano. Isso não é tão ruim quanto os EUA, mas é quase cinco vezes a média da Índia. Claramente temos que cortar.

Valor: A maior economia da Europa pode fazer isso sem quebrar?

Bütikofer: Acho que sim. Podemos até impulsionar a nossa economia desenvolvendo a estratégia da inovação ambiental, algo que combine redução de emissão de gases estufa, por exemplo, com progresso econômico. Temos sido bem-sucedidos com as energias renováveis. Na Alemanha, nos últimos anos, fomos capazes de produzir 250 mil novos empregos impulsionando este setor, uma indústria forte, competitiva e inovadora. Não há necessariamente uma oposição entre progresso econômico e responsabilidade ambiental. É importante ter os mecanismos de mercado certos e a regulamentação adequada, não é uma solução fácil. Mas há exemplos positivos que podem ser inspiradores.

Valor: Uma discussão frequente no Brasil é como desenvolver sem desmatar. Isso é possível e realista?

Bütikofer: Os países em desenvolvimento que querem criar um futuro positivo para si não podem copiar o nosso modelo industrializado de desenvolvimento, que produziu grandes custos ambientais e sociais. É possível evitar os erros que fizemos e conseguir um modelo de desenvolvimento melhor. O Brasil já mostrou sua habilidade em criar seu próprio caminho. Há muitos anos as autoridades brasileiras optaram pelo etanol de cana e não fizeram isso copiando da Europa. O desafio é encontrar o equilíbrio entre soluções domésticas sem se isolar e enxergando a experiência estrangeira.

Valor: As usinas de álcool em São Paulo não paravam de receber parlamentares estrangeiros, inclusive verdes, que queriam saber como o Brasil faz etanol. Agora parece que não há tanto glamour nestas visitas. O que aconteceu?

Bütikofer: Muitas coisas aconteceram juntas e mudaram o humor geral sobre os biocombustíveis.

Valor: Que coisas?

Bütikofer: Até onde vejo, o Brasil não é o foco da discussão na Europa. Grupos ambientalistas têm criticado há muito a produção de óleo de palma na Indonésia, que é importado em volumes crescentes pela Alemanha e vem sendo produzido em áreas onde a floresta está vindo ao chão. O impacto na emissão de gases do efeito estufa é muito negativo.

Também há debates comparando os graus de eficiência dos diferentes biocombustíveis. Aí o etanol brasileiro feito de cana-de-açúcar está do lado positivo. Mas a eficiência do etanol de milho dos EUA é muito baixa.

E há ainda a discussão sobre se os biocombustíveis realmente ajudam o ambiente ou se são apenas uma nova estratégia de desenhar novos subsídios para fazendeiros nos EUA e na Europa. Outro ponto seria que os carros antigos não estão tecnicamente preparados para consumir a mistura de álcool e de gasolina.

Valor: Esta foi uma das razões alegadas pelo governo alemão no recente recuo na decisão de adotar logo a mistura álcool-gasolina no país. Mas existem muitos carros velhos na Alemanha?

Bütikofer: Sim, mas menos que em outros países. Acho que a média de idade dos carros nas ruas das cidades alemãs é 8 anos.

Valor: Na Europa, então, o debate sobre os biocombustíveis ainda está aberto?

Bütikofer: É uma questão em andamento. Há uma discussão importante dirigida aos fabricantes de carros europeus - questiona-se se as empresas não deveriam fazer mais esforços para ficar mais eficientes. Há todo tipo de argumentação, e no topo de tudo, o aumento no preço dos alimentos no mundo. A política agrícola européia vem sendo alvo de críticas dos Verdes há tempos porque os subsídios existentes acabam deprimindo a agricultura em países pobres. Fica mais barato importar produtos europeus do que criar seu próprio mercado. E, de repente, aparece um artigo agrícola específico que é aceito pelo mercado europeu, que é o biocombustível, e depois o Banco Mundial e o FMI começam a nos dizer que podemos estar no limite de produzir uma profunda crise de alimentos em vários países.

Não acho que esta é uma discussão de um lado só. Na nossa visão, a crítica se dirige aos subsídios agrícolas europeus, ao setor automobilístico e à importação de produtos como o óleo de palma da Indonésia que usam o termo "bio" quando na verdade não o são.

Valor: O PV alemão está dividido neste assunto?

Bütikofer: Não diria isso, mas alguns de nós são mais otimistas do que outros.

Valor: E entre as ONGs?

Bütikofer: Os grupos ambientalistas ainda são muito críticos. Há solicitações para que o padrão determinado pela União Européia de ter 10% de biocombustíveis na gasolina em 2020 caia. Alguns dizem que seria ok importar biocombustíveis de fontes sustentáveis e ambientalmente responsáveis, mas outros falam que, na prática, este padrão seria difícil de desenhar e implementar. Eu acredito que esta discussão é menos uma resistência do movimento ambientalista e mais uma resistência de círculos industrializados que acreditam que substituindo gasolina por biocombustíveis podem evitar investimentos tecnológicos na produção de motores mais eficientes ou automóveis mais sustentáveis. Agora a pressão está sobre a indústria, para que não fuja à responsabilidade.

Valor: Nestas questões ambientais, no que o sr. é otimista? O que enxerga como uma boa aposta?

Bütikofer: A racionalidade econômica dominante em muitos países, inclusive o nosso, foi estruturada contra a sustentabilidade. Em muitos casos é uma coisa ou outra. Se não conseguirmos mudar esta moldura, não sou muito otimista. Mas estamos tentando construir o que chamamos de "economia verde de mercado", uma economia que usa os mecanismos de mercado, mas com uma estrutura que se relaciona com interesses sociais e de responsabilidade ambiental. Entram aí o sistema europeu do mercado de emissões de carbono, eco-taxas e outros mecanismos que direcionem o desenvolvimento econômico para outro rumo. Acho que uma das falhas mais importantes das discussões internacionais de clima e de biodiversidade está no contexto da divisão de responsabilidades.

Valor: O que o sr. quer dizer?

Bütikofer: Quando se fala em fardos, ninguém nunca quer nenhum. Acho que teríamos que falar de divisão de esforços e de oportunidades, porque é disso que se trata, no final. E esta é uma responsabilidade dos países mais industrializados. Eles têm que comprovar a tese de que podem haver avanços competitivos, economicamente viáveis e sustentáveis, com estilos de vida e modos de produção que possam ser copiados pelos outros. Se os países ricos não se moverem nesta direção, quem se moverá?