Título: Depois do grau de investimento
Autor: Monteiro , Luciana
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2008, EU & Investimnentos, p. D1
O tão aguardado grau de investimento finalmente saiu, antes até do previsto. O Brasil tem agora o selo de investimento não-especulativo dado por uma grande agência de classificação de risco internacional. Muitos podem estar se perguntando: isso significa que, agora, ninguém segura a bolsa brasileira? Infelizmente, não é bem assim. Segundo os especialistas, o efeito do " investment grade" se dará no médio e longo prazos. Por isso, o efeito de baixa sobre os juros, por exemplo, é maior nas taxas mais longas do que nas curtas.
É claro que, num primeiro momento, tudo é festa - inclusive hoje, uma vez que os mercados europeus estavam fechados quando a notícia foi divulgada, e os investidores de lá ainda vão reagir à classificação. O Ibovespa superou a barreira dos 66 mil pontos e as corretoras devem rever para cima suas estimativas para o índice diante da queda do risco Brasil. Mas é possível também vir em seguida uma baita ressaca quando o mercado perceber que as condições do país e da economia internacional não mudaram tanto. Ontem, por exemplo, Vale caiu 2% em Nova York por conta da forte baixa das commodities. Já Petrobras resistiu à queda do petróleo por conta da alta da gasolina na quarta-feira.
Outro ponto é que boa parte dos ganhos com o "investment grade" costuma ser antecipada. Tanto que, na Coréia, o mercado acionário caiu logo após o anúncio. No caso do Brasil, uma boa parte também já foi antecipada. Mas, em um prazo mais longo, o grau de investimento reforça a tendência de alta das ações. E, com o aumento do recursos disponíveis para investimentos produtivos, há espaço para queda da inflação e, por tabela, dos juros e do dólar.
Estudo elaborado por Roberto Knoepfelmacher, analista-chefe da gestora independente GAS Investimentos, revela que as bolsas de países que receberam o grau de investimento - Coréia, México, Rússia e Índia -subiram, em média, 55% mais que a média dos emergentes medida pelo índice MSCI, do Morgan Stanley. A análise leva em conta os 12 meses anteriores e os 12 posteriores à nota.
No caso do Brasil, o Ibovespa subiu 55,4% em dólar nos 12 meses anteriores, enquanto o MSCI teve alta de 20,9%.
Isso significa que, por esse raciocínio, o Ibovespa já teria antecipado 34,5% do potencial de alta por conta da nota - ou seja, a diferença entre os 55,4% e 20,9%. Para chegar aos 55,4% nos próximos 12 meses, portanto, restariam ainda 20,5% de ganho. Descontando a forte alta de quarta-feira, de 6,33%, o potencial, em tese, seria de 14,1%. "Vale lembrar que isso é apenas uma simulação e não tem a pretensão de ser um estudo estatístico", alerta Silvia Sandoval, da GAS. De qualquer maneira, o "investment grade" reforça o movimento de alta da Bovespa em 12 meses, baseado no ganho das commodities.
A experiência dos outros países mostra que o maior impacto está no crédito, que cresce mais acentuadamente, diz Paulo Clini, gestor de renda variável da Legg Mason Asset Management. Isso significa que os papéis de empresas mais ligadas ao mercado interno tendem a ser as grandes beneficiadas no longo prazo como bancos, construção civil, varejo e bens de consumo, avalia. Clini alerta, no entanto, que receber a nota de "investment grade" não significa que o país se descolou do cenário global. Se o ambiente lá fora se deteriorar, o Brasil vai sofrer.
As ações se tornam um melhor ativo em um país com grau de investimento. Mas isso não quer dizer que é para sair comprando, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Investimentos. "Temos muitas ações baratas, mas a compra tem de ser feita com cautela", diz ele, lembrando que o ambiente econômico lá fora ainda não está bom. A economia americana, diz, pode se complicar e afetar as commodities e o Brasil. "O 'investment grade' não fez o país ficar mais cor-de-rosa, o selo já era esperado, melhora as condições das empresas, mas não de uma hora para outra e nem vale para todas", diz.
O investidor precisa pensar com cabeça de longo prazo, diz Álvaro Bandeira, da corretora Ágora. "O fluxo de investimentos vai ser mais perene e isso vai reduzir o custo das empresas, aumentar seus valores de mercado e incentivar novas aberturas de capital", diz. Já o dólar tende a ser pressionado para baixo pela entrada de capitais externos, o que ajudará a conter a inflação e baixar os juros no futuro.
Marco Melo, responsável pela área de Análise da Ágora, faz uma conta para avaliar o impacto da nova nota. Um fundo de pensão americano tem em média ativos de US$ 70 bilhões a US$ 100 bilhões, dos quais 40%, ou US$ 40 bilhões, em ações. Dessa fatia, 10%, ou US$ 4 bilhões estão em mercados emergentes, sendo que, pela distribuição do índice MSCI, 16% poderiam vir para o Brasil. "Isso significaria que apenas um fundo poderia comprar US$ 700 milhões em ações brasileiras, um terço do volume diário da bolsa." Melo mantém a projeção para o Ibovespa em 12 meses em 82 mil pontos, pois já levava em conta o "investment grade". (Colaborou Angelo Pavini)