Título: A inadimplência e furto de energia e as regras da Aneel
Autor: Fábio Amorim
Fonte: Valor Econômico, 02/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2
Através do Aviso de Audiência Pública nº 008, de 2008, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) comunicou aos consumidores, agentes do setor de energia elétrica e demais interessados que receberá contribuições e informações para aprimorar a Resolução nº 456, de 2000, até o próximo dia 8 de maio. A resolução dispõe sobre as condições gerais de fornecimento de energia elétrica e é o ato normativo da agência que trata da relação cotidiana da concessionária com seu cliente. A Aneel, em abril de 2007, promoveu uma audiência interna, bem como, em outubro do mesmo ano, realizou uma oitiva junto às agências reguladoras estaduais.
Cabe registrar que a Resolução nº 456 atualizava, revia e reestruturava portarias do extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) datados de 1997 e 1987, buscando se adequar ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e à realidade vivenciada no setor elétrico pós-privatização. Passados mais de sete anos, destacam-se as questões relacionadas ao furto de energia e ao inadimplemento dos clientes. Isto não significa que a Aneel queira proteger as concessionárias em detrimento dos consumidores, como muitos podem alegar. Associações, órgãos de defesa do consumidor, Ministério Público, Poder Judiciário e alguns meios de comunicação continuam a distorcer a realidade sócio-econômica deste país. Como uma concessionária de serviço público pode, ano após ano, suportar que a energia disponibilizada não seja paga e, pior, furtada?
As distribuidoras de energia elétrica investiram, na última década, milhões em tecnologias de combates aos famosos "gatos". Apesar destes esforços, o que se verifica, na prática, é que os índices de furto de energia insistem em permanecer em patamares inaceitáveis. Não é justo que o cliente honesto e adimplente seja obrigado a arcar com eventuais aumentos de tarifa enquanto aqueles que burlam a lei penal e se beneficiam em detrimento de muitos não sejam penalizados civil e criminalmente pelos ilícitos que cometem. Infelizmente, a sociedade, acostumada com crimes de maior comoção social, vê o furto de energia como algo inofensivo e insignificante.
Onde estão a justiça, os conceitos familiares e religiosos desta sociedade? Será que estamos frios e insensíveis, a ponto de ver aquele que furta uma mercadoria ou não paga por ela ser tratado como um pobre coitado? Estudos demonstram que o furto de energia e o inadimplemento das faturas, verdadeiras sangrias financeiras no fluxo de caixa das distribuidoras, têm sua maior incidência nas classes sociais que podem arcar com suas obrigações. Não as cumprem por pura desídia e má-fé, sempre sob a alegação de que a energia está cara. Indústrias, comércio e poder público estão entre as classes de consumidores que mais fazem "gato" e não honram com o pagamento das faturas. Onde estão os decantados princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor? Não estamos diante de uma situação financeira, mas do descumprimento reincidente de um contrato bilateral, onde as partes devem honrar com suas obrigações, antes de exigir a contrapartida.
-------------------------------------------------------------------------------- Espera-se que a nova regra penalize de forma contundente quem usa artifícios para receber o serviço gratuitamente --------------------------------------------------------------------------------
Além da sobrecarga nas redes das distribuidoras e comprometimento na qualidade do serviço, vale lembrar outro grave problema enfrentado por estas empresas: o inadimplemento do cliente e o absurdo e distorcido entendimento de que o serviço é contínuo, mesmo sem contraprestação.
Depois de mais de uma década de discussões doutrinárias sobre a questão, em 2004, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou, ao publicar o acórdão do Recurso Especial nº 363.943, seu posicionamento pela legalidade do corte em razão do inadimplemento do cliente. Neste processo, originário da Justiça estadual de Minas Gerais, a cliente era pobre, negra e estava desempregada. Por que será que o STJ escolheu logo este caso para pacificar a jurisprudência da primeira e segunda turmas a respeito da legalidade da suspensão do serviço? Será que não foi um basta da Justiça àqueles que se beneficiam em detrimento de outros, às vezes recebendo por anos a fio um serviço de forma gratuita? Ou será que entendeu o STJ, dando exemplo aos tribunais inferiores, que uma concessionária severamente fiscalizada pela Aneel e que ininterruptamente tem que investir na melhoria do serviço, ao final, tem o direito de lucrar?
Espera-se que a nova resolução seja mais severa no tratamento com aqueles que insistem em permanecer inadimplentes contumazes e penalize de forma contundente e educativa àqueles que usam de artifícios ardis para ou receberem o serviço gratuitamente ou, no mínimo, pagar muito menos por ele. Sem entrar no mérito da minuta de resolução, e alertando que todos podem se manifestar até 8 de maio próximo, é hora de darmos um basta à desonestidade, falcatruas e artimanhas utilizadas por um número expressivo de clientes brasileiros. Estas pessoas, ao se beneficiarem, impõem à grande maioria honesta e correta um ônus que pode ser evitado, não só com fiscalização da agência e investimentos das concessionárias mas, acima de tudo, com uma reação de repulsa e intolerância da sociedade para com os espertos e oportunistas de plantão. Chega de proteger quem não merece proteção.
Fábio Amorim é advogado especialista em direito de energia elétrica, sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e autor do livro "A Legalidade da Suspensão do Fornecimento de Energia Elétrica a Consumidores Inadimplentes"
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