Título: Severino defende mandato de 6 anos para Lula e ataca autonomia do BC
Autor: Maria Lúcia Delgado e Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Política, p. A5

Alvo de olhares atentos do Executivo, da imprensa, do meio político e do setor produtivo, o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP), ignorou ontem, em sua primeira entrevista coletiva, as críticas que vem recebendo e não titubeou ao defender vantagens para os colegas parlamentares, mas garantiu que não é "tresloucado" a ponto de criar problemas de governabilidade. Polêmico, Cavalcanti advogou mandato de seis anos para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que em outubro de 2008 todas as eleições do país sejam coincidentes. Ele antecipou que é contra a autonomia do Banco Central e prometeu dar célere encaminhamento ao projeto que define o papel das agências reguladoras. Severino disse com firmeza que vai colocar em votação, "dentro de poucos dias", o projeto de lei que equipara o salário dos parlamentares ao de ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 21,5 mil). Quem não quiser o aumento de quase R$ 9 mil, avisou, que faça uma carta informando à presidência da Casa. "Não sou um tresloucado que queira fazer com que não haja condições de governabilidade. Posso não gostar do Lula, mas eu tenho que gostar do Brasil. Tenho que dar condições para que possa atingir os objetivos do povo brasileiro", disse. Em seguida, explicou melhor seus sentimentos em relação a Lula: "Não tenho nada contra o presidente. Eu poderia até não gostar do Lula, mas não poderia tomar medida alguma que viesse atravancar o desenvolvimento do país. Sou patriota, sou brasileiro e quero que essa nação atinja seus objetivos". Severino não teve meias palavras e assumiu abertamente seu conservadorismo. Para responder a temas polêmicos e embaraçosos, gastou 26 minutos. Arrancou risadas de deputados presentes no auditório, devido à forma direta, simples e quase folclórica de responder. Não existe, na visão do presidente da Câmara, paradoxo entre ser do PP, um partido da base aliada ao governo, e ter derrotado o candidato oficial do PT, além de ter sido eleito com um discurso de insubordinação ao Executivo e com o apoio da oposição. Fazer análise sobre como será sua relação com o Executivo, disse Severino, é tarefa "fácil". Ele explica: "Sou presidente da Câmara. Não vim fazer oposição sistemática ao governo. Irei criar todas as condições para que o presidente Lula possa realmente atingir a grande ansiedade do povo brasileiro, que é uma maneira que faça com que o Brasil não tenha tantos desempregados. Nisso darei total cobertura ao governo. O deputado enfatizou que o PP faz parte do governo, que votou a favor de todas as propostas enviadas por Lula ao Congresso, mas avisou que, agora, não vai ser "subordinado ao Palácio" e nem esperar telefonemas dizendo a que horas deve colocar um projeto em votação. "Quem vai decidir são os deputados. Não vão aqui ficar sob a vontade dos senhores ministros, que não atendem as atenções dos senhores parlamentares, que ficam três, quatro semanas sem ter direito a audiência", disse. Severino adiantou o primeiro pedido que fará a Lula: "Faça com que os seus ministros respeitem os deputados". A reforma ministerial, disse, deve dar mais ânimo ao governo. "Sei que o presidente está sentindo o cansaço de alguns ministros", opinou. O ministério do PP foi promessa de Lula "há anos", enfatizou. Além da prioridade à votação do projeto que aumenta os salários dos deputados, Severino reiterou que vai negociar com o governo mudanças na medida provisória 232, que corrigiu a tabela do Imposto de Renda e elevou a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 32% para 40% de prestadores de serviço e microempresários da agroindústria que declaram sobre o lucro presumido. "Não posso aceitar de maneira alguma que os pequenos empresários sejam sufocados. Espero que o governo faça alguma reforma, e serei o intérprete dos ruralistas e dos pequenos empresários junto ao governo", avisou. O empenho para votar a reforma tributária vai depender dos líderes, afirmou. Já em relação à reforma sindical, ele defendeu a votação o mais rápido possível. Quando questionado sobre a reforma política, já que mudou várias vezes de partido, o deputado reagiu com certa indignação. Disse que isso é um equívoco e que é favorável à fidelidade partidária. Quando o assunto é união civil de homossexuais e aborto, Severino não deixa dúvidas: "Com relação à minha posição sobre o aborto ou sobre casamento de homem com homem e de mulher com mulher, no momento em que for votar eu deixarei a presidência e vou para o plenário combater aquilo que eu não posso acreditar". Sobre as pesquisas com células-tronco e transgênicos, vai pensar melhor antes de formular uma posição. Ele disse que vai desengavetar a proposta de emenda constitucional que desapropria propriedades em que foi identificado trabalho escravo e, também, o projeto que reduz o recesso parlamentar para 30 dias, mas, neste caso, vai ao plenário para defender as férias de 90 dias para os deputados, que precisam sentir os problemas de suas bases. Severino não gosta de ser identificado com o baixo clero. "Eu vou acabar com esse negócio de baixo clero. Todos têm que ser tratados com igualdade". Na manhã de ontem, o novo presidente da Câmara viveu seu momento de astro, com direito a discurso inflamado, tietagem de simpatizantes e uma salva de aplausos ao fim de cada frase. Em meio a produtores de café e lideranças do setor, reunidos num seminário em Brasília, e acompanhado por deputados mineiros e capixabas ligados ao setor, Cavalcanti empolgou-se e arriscou até um "hola" para cumprimentar o diretor-geral da Organização Internacional do Café (OIC), o diplomata colombiano Néstor Osório. Ligados o microfone e os holofotes, o novo presidente da Câmara bateu duro no governo. Criticou o aumento de impostos na Medida Provisória 232, atacou o "abandono" do agronegócio e disse o governo não tem a "dimensão exata" do que deve fazer pelo setor do café, que pede a rolagem de R$ 535 milhões em dívidas contratadas desde 2001. Em meio a dezenas de poses para fotos e abraços, Severino disse que trabalhará contra a MP 232. E pressionou os colegas a votar contra: "Não acredito que os deputados tenham coragem de esmagar aqueles que fazem a riqueza do país". Tratado pelo colega Carlos Melles (PFL-MG) como "o segundo mais importante líder do poder político do país", Severino afirmou que os produtores rurais, que "sustentam o país", têm sido ignorados pelo governo: "Os agricultores têm que ter prioridade. Serei intérprete de todos os cafeicultores deste país."