Título: Especialistas criticam defesa que Lula faz de aliados acusados de corrupção
Autor: Jayme , Thiago Vitale ; Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Política, p. A8

Para cientista político, comportamento de Lula faz parte de uma rede de solidariedade que o presidente tem com os aliados O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o hábito de defender aliados envolvidos em denúncias de corrupção, das mais simples às mais graves. Desde o primeiro mandato, 13 "companheiros" já se beneficiaram de manifestações públicas de apoio. O último foi o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), acusado de levar a sogra para uma viagem à Europa às custas de dinheiro público em jatinho alugado a R$ 388 mil. Especialistas ouvidos pelo Valor desaprovam as defesas públicas e alertam sobre as conseqüências maléficas da postura de Lula.

"O governo Lula tem várias qualidades, mas, do ponto de vista da educação democrática e republicana, da conduta da autoridade pública, este governo não é dos melhores", diz o cientista político Gildo Marçal Brandão, livre-docente da Universidade de São Paulo (USP).

"Essa é uma grande falha do presidente. A proteção aos velhos amigos. É o ´homem cordial´ na sua pior espécie", analisa Brandão, fazendo referência à tese do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, de que o brasileiro (um "homem cordial") se guia por critérios emotivos na vida social e política, e é indiferente às leis quando contrariam seus interesses ou os dos amigos.

Ao defender Cid, Lula desclassificou a gravidade do episódio e criticou a imprensa. "Tem coisas muito mais importantes daquilo que você (Cid) fez e nunca apareceram nacionalmente na imprensa", disse.

O professor da Universidade de São Paulo Francisco Gaudêncio Torquato vê na atitude de Lula um traço psicológico típico de governantes. "Quando absorvem tanto poder, entram em um processo psicológico de auto-envaidecimento que os descolam da realidade", diz. Para Torquato, Lula "abusa de seu poder" ao perdoar aliados de possíveis deslizes corruptos antes de absolvição judicial.

Em março, o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE) foi alvo de manifestação de Lula. Para o presidente, o ex-deputado - acusado de cobrar propinas de um dono de restaurante da Câmara - foi vítima de conspiração das elites paulistas e paranaenses. "Eu continuo tendo o mesmo respeito de antes", disse Lula.

Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidente do Senado, também recebeu afagos. Ele deixou o posto depois de ser acusado de ter as contas pagas por um lobista de uma construtora. "Não vou permitir que alguém que não tenha moral possa fazer com que eu rompa a amizade que tenho com um companheiro que me ajudou tanto tempo como o Renan", disse Lula.

O historiador e cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília, vê nas atitudes de Lula uma das explicações para sua grande popularidade. "Esse comportamento faz parte de uma rede de solidariedade que o presidente tem com os outros aliados; uma proteção recíproca", afirma.

"As pessoas se julgam iguais ao presidente, têm a mesma avaliação dele sobre a corrupção, esta postura permissiva", diz Nogueira. "A população já está acostumada com certo grau de corrupção: o que é cobrar propina? Todo mundo faz, não tem problema", completa.

Sobre Ricardo Berzoini (PT-SP), acusado de liderar o grupo que tentou construir um dossiê contra o tucano José Serra em 2006, Lula disse se tratar de "um quadro político de muita envergadura, ex-ministro da Previdência e teve um trabalho excepcional na reforma da Previdência".

Lula também defendeu Walfrido dos Mares Guia (PTB-MG), que era seu ministro das Relações Institucionais e deixou o posto depois de ser indiciado pelo Ministério Público Federal por suposta arrecadação ilegal de recursos nas eleições

A queda do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci - acusado de quebrar o sigilo de um caseiro - foi atribuída por Lula ao desejo da oposição de "mexer com a economia brasileira" e deixar o país em má situação.

Lula elogiou o ex-ministro José Dirceu, indiciado pelo MP por suposto envolvimento com o mensalão. "Dirceu foi cassado mas nada foi provado; ele é um cidadão que não cometeu um delito, não é culpado nem por omissão."

Até Roberto Jefferson (PTB-RJ), autor das denúncias sobre o mensalão, chegou a ser defendido por Lula quando estourou o escândalo dos Correios. Em reunião de líderes, em maio de 2005, o presidente disse que "um parceiro é solidário com o seu parceiro".

O ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB), acusado de envolvimento com a quadrilha dos sanguessugas, foi chamado de "senador leal, que teve um comportamento decente". O irmão do presidente, Genival da Silva, o Vavá, acusado de envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, foi classificado como "lambari" e "ingênuo" por Lula.

A ex-ministra da Secretaria Especial da Igualdade Racial Matilde Ribeiro, demissionária depois da descoberta de abuso nos gastos com cartões corporativos, também foi elogiada. Para Lula, ela "saiu do governo sem ter cometido um crime, um delito". O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, suspeito de favorecer o PDT em convênios realizados com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), viu sua acusação ser definida por Lula como "bobagem". O ex-ministro Luiz Gushiken completa o rol de políticos defendidos pelo presidente.

O presidente não parece disposto a frear os elogios públicos. Durante o Congresso do PT de 2007, Lula destacou que "nenhum petista tem que ter vergonha de defender um companheiro".