Título: Ruralistas prestes a retomar mobilização na Argentina
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Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Internacional, p. A9

Centenas de produtores rurais portando bandeiras e distribuindo panfletos voltaram a ocupar as margens das rodovias em cerca de cem localidades do interior das províncias de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé - regiões que concentram a maior parte da produção agropecuária da Argentina. O movimento marca o fim da trégua de um mês na mobilização de protesto contra a política agrícola do governo.

Durante 21 dias em março os produtores atravessaram caminhões e tratores em várias rodovias, provocando a interrupção do trânsito e impedindo o abastecimento de produtos alimentícios nos centros urbanos do país. A manifestação provocou a primeira grande crise do governo da presidente Cristina Kirchner e resultou na demissão do ministro da Economia, Martin Lousteau, e numa forte queda na popularidade da presidente. Além disso, forçou Cristina a abrir uma negociação com o setor.

Os agricultores protestam contra o aumento dos tributos (as chamadas retenções) sobre as exportações de grãos, decretado em 11 de março pelo então ministro Lousteau. Para amanhã está marcada uma reunião que os produtores consideram a última chance de um acordo entre os líderes ruralistas e o governo antes que a mobilização seja ampliada.

Além da revogação do decreto que alterou o sistema de retenções (de fixo em 35% para móvel entre 20% e 44,1%), os produtores pedem a reabertura das exportações de trigo e carne, incentivos para a produção de leite, novas linhas de crédito e redução nos preços dos insumos.

O governo mantém firme sua posição de não ceder no esquema de retenções. Até agora, depois de várias reuniões na Casa Rosada entre os presidentes das quatro principais entidades do setor agropecuário com ministros e secretários, o único acordo foi pela reabertura das exportações de carne e trigo, desde que os preços destes produtos baixassem no varejo argentino.

No entanto, essa medida nem chegou a ser implementada. Como os preços não baixaram, a Secretaria de Comércio Interior, responsável pela fiscalização do varejo, contrariou a determinação do próprio Ministério da Economia (ao qual está subordinada) e suspendeu os embarques de carne liberados depois do acordo.

O clima político que envolve as negociações é o pior possível. Além dos desmandos dentro do próprio governo, o interlocutor mais respeitado pelos produtores, o chefe de gabinete (equivalente a ministro da Casa Civil) Alberto Fernández teve que sair duas vezes a público para reafirmar sua permanência no cargo. Há duas semanas circulam boatos nos meios políticos de que ele seria o próximo a ser demitido, depois do ministro Lousteau.

Braço direito da presidente, Fernández é considerado o maior defensor, dentro do governo, de que se esgotem as negociações com o campo antes que se cumpram ameaças já feitas pela Secretaria de Comércio Interior de aplicar a Lei de Abastecimento, que permite confisco de produtos e prisão de empresários. A condição imposta pelo chefe de Gabinete é que os produtores não voltem a fechar as estradas nem deixem faltar alimento no varejo.

A condição já foi aceita, não exatamente para atender ao pedido de Fernández, mas por uma questão tática. Em assembléias realizadas nas últimas duas semanas, os ruralistas concluíram que interromper o trânsito novamente poderia "queimar" um de seus principais trunfos: o apoio da população a suas reivindicações. "Não queremos voltar a interromper as estradas, queremos evitar isso porque significaria prejudicar pessoas comuns, o que, creio, é o que espera o governo", afirmou Pablo Orsolini, vice-presidente da Federação Agrária Argentina (FAA), em entrevista à agência oficial de notícias Telam.

Orsolini se refere a uma ala do governo, supostamente comandada pelo ex-presidente Néstor Kirchner, que não aceita nenhuma condição imposta pelos produtores e que estaria apostando no desgaste do movimento.