Título: Grau de investimento coroa processo de estabilização
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Opinião, p. A10

A promoção do Brasil a grau de investimento, conforme anunciou na quarta-feira a agência de risco Standard & Poor's, vem coroar um processo, já longo, de estabilização monetária e de contenção dos níveis inflacionários que resultou mais recentemente em um período de taxas vigorosas de crescimento econômico. A obtenção pelo país deste "selo de qualidade" da sua solvência deve significar uma melhora importante das condições de tomada de recursos pelas empresas nos mercados internacionais, contribuindo dessa forma para aprofundar a tendência já observada nos últimos anos de maiores investimentos, em especial para ampliação da capacidade produtiva. É um momento de comemoração, mas que enseja também uma pausa para reflexão. Já que as reformas adotadas na economia permitiram resultados tão animadores, não seria agora a vez de mudanças estruturais que permitissem avanços igualmente expressivos em setores onde o Brasil ainda continua devendo muito aos seus cidadãos, em especial nas áreas de educação e saúde?

A nota dada pela Standard & Poor's ao Brasil significa que o país subiu um degrau - muito importante - nas suas avaliações, mas há ainda muito a avançar nessa escalada. O Brasil subiu do "BB+", último degrau do nível especulativo, para o "BBB-". Ainda faltam nove degraus para a nota máxima "AAA", do menor risco de crédito. O país ainda é considerado investimento especulativo pela Moody's e pela Fitch Ratings. Em geral, as outras agências seguem o exemplo da pioneira na alteração da nota, depois de alguns meses. O risco de crédito é definido como a probabilidade de que um tomador de recursos não queira ou não possa cumprir seus compromissos de dívida. Para classificar esse risco, as agências de rating usam indicadores financeiros e econômicos. Mas as notas são dadas, em última instância, de acordo com critérios subjetivos dos analistas contratados pelas agências, que muito freqüentemente erram.

O rating do Brasil era mais baixo do que o da Argentina até o país vizinho decretar moratória, no final de 2001, e o Brasil continuar honrando seus compromissos. As carteiras com títulos vinculados às hipotecas de alto risco nos Estados Unidos tinham notas "AAA" e foram contaminadas pela inadimplência crescente dos mutuários na hora que os juros da prestação da casa própria começaram a subir. Apesar dos erros atribuídos às agencias de risco, os investidores continuam a dar importância aos ratings, pois se considera que suas notas são uma referência em uma situação em que avaliações comparativas são raras. Bancos centrais, governos e empresários também acabam levando em consideração as ponderações das agências na hora de investir porque é impossível para essas organizações manter equipes de análise de crédito amplas o suficiente para avaliar o risco de governos dos países, Estados, municípios e das empresas.

Na verdade, a decisão da Standard & Poor's de conceder a classificação "BBB-" ao Brasil era considerada uma questão de tempo, uma vez que a inflação caiu e o governo vem apresentando consistentemente superávits orçamentários primários - antes do pagamento das dívidas. A retirada do nome do Brasil da lista de do grau especulativo, ou "junk", é importante pois permitirá aos maiores fundos de pensão e seguradoras investir no país. Muitas dessas instituições não podem canalizar fundos para países com classificação inferior à de investment grade por causa do perigo dessas economias entrarem em default, o que acarretaria na perda de vastas somas de seus clientes.

Outro aspecto importante a ressaltar é que o mercado de ações do Brasil vem tendo este ano o melhor desempenho entre os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento, com os investidores atentos a uma economia que continua crescendo a uma taxa saudável de 5%, na esteira da alta dos preços das commodities, que vêm ajudando a proteger o país da crise de crédito global. Esse comportamento da Bolsa de Valores de São Paulo favorece as empresas pela oportunidade de levantarem recursos para novos investimentos e, ao mesmo tempo, deve continuar a atrair um grande número de investidores, pulverizando o capital das companhias e ajudando na formação da poupança interna.