Título: Passageiro de ônibus está a pé
Autor: Monteiro, Fàbio
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2011, Economia, p. 14

Enquanto a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) projeta manobras para tornar realidade o desejo pessoal da presidente Dilma Rousseff de viabilizar o projeto do trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo, os usuários que dependem do transporte rodoviário interestadual no país tornam-se vítimas do descaso do órgão regulador. Poucos horários, altas tarifas e muito tempo perdido são as principais reclamações dos passageiros. Mas o que realmente assusta é a falta de regras para o setor.

A Constituição Federal de 1988 já previa a necessidade de normas para o transporte rodoviário, garantindo segurança e transparência nas operações. Mas foram precisos 22 anos para que a ANTT encaminhasse um projeto de regularização ao Ministério dos Transportes. Até hoje, as empresas operam sob um sistema que beira a informalidade nas cerca de duas mil linhas de ônibus que ligam as 27 unidades da Federação.

O processo de licitação, que renovaria a esperança de melhores serviços prestados, só deve começar a sair do papel a partir do segundo semestre deste ano ¿ de acordo com afirmação, feita em dezembro, pelo presidente da ANTT, Bernardo Figueiredo. Até lá, os usuários continuarão a se indignar com a má qualidade do serviço prestado, como no caso de Kamila Fernandes, 29 anos.

Há pouco mais de um mês, ela se mudou para Brasília, mas ainda precisa ir com frequência a Londrina (PR), onde está sua família. Após uma viagem tranquila na chegada ao Planalto Central, a consultora teve uma enorme dor de cabeça quando precisou retornar ao Sul. ¿Embarcamos às 15h, mas precisamos trocar de ônibus três vezes durante a viagem. Eu acho que as empresas não se importam com isso, porque em alguns trechos não há concorrência. Só temos a opção de uma única empresa e de um único horário¿, desabafou.

Braços cruzados A mesma reclamação é compartilhada pela atendente Izabel Ribeiro, 28 anos. ¿Se a pessoa passar mal, tiver algum contratempo e se atrasar, ela pode perder um dia inteiro para conseguir viajar¿, reclamou. Izabel, que viaja pelo menos uma vez por mês para Cabeceira Grande (MG), acredita que os preços para algumas cidades do interior são salgados. ¿Se os passageiros tivessem mais de uma opção, eles escolheriam a que oferecesse o menor preço e o melhor atendimento¿, avaliou. O enfermeiro Rodrigo Lopes, 32 anos, viajou a Brasília para pleitear uma vaga de mestrado em uma universidade da cidade. A primeira impressão da capital federal foi de que a rodoviária tem uma estrutura boa, mas falta organização. ¿Elas (as empresas) pedem para chegarmos com antecedência de uma hora, mas se passarmos para a área de embarque no horário recomendado, ficamos sem lugar para sentar e aguardar a saída¿, relatou. Ainda de acordo com ele, a taxa de embarque cobrada na rodoviária do DF é abusiva. ¿Paguei seis vezes mais do que quando embarquei na Bahia.¿

Diante de uma enxurrada de reclamações de consumidores insatisfeitos com a morosidade da autarquia em avançar no projeto de licitação das linhas interestaduais, a ANTT declarou apenas, por meio de uma nota, que o órgão não está de braços cruzados, e que trabalha na elaboração dos instrumentos para a concessão dos serviços. Além disso, afirmou que o cronograma de atividades elaborado pela agência está sendo cumprido. Depois de novos questionamentos da reportagem, a agência optou pelo silêncio. Além da limitação das explicações do órgão regulador, nenhuma delas responde diretamente às cobranças dos usuários sobre o papel da ANTT, que é fiscalizar a prestação do serviço à população. ¿O transporte rodoviário interestadual e intermunicipal, hoje, é caro, inseguro e de péssima qualidade¿, resumiu a passageira Márcia de Castro. ¿Até parece que estamos condenados a conviver com o transporte público de pior qualidade do país¿, queixou-se o empresário Luciano Neves.

Idosos rejeitados O Estatuto do Idoso prevê que as empresas de transporte rodoviário interestadual reservem dois assentos gratuitos para pessoas com mais de 60 anos e renda inferior a dois salários mínimos. Caso a cota esteja preenchida em determinado trecho, os idosos podem comprar o bilhete com 50% de desconto sobre o valor integral da passagem. Porém os idosos reclamam que não há fiscalização, e que, muitas vezes, têm dificuldades para conseguir até o desconto parcial da viagem.

Uma senhora que preferiu não se identificar disse que já presenciou abusos, mas não sabia bem o que fazer. ¿Estava na fila comprando o bilhete e uma idosa tentou a gratuidade, mas foi informada que não tinha mais assentos disponíveis. Mas quando embarcamos, havia vários lugares vazios e nenhuma pessoa com mais de 60 anos sentada. Quando não tem ninguém olhando, eles enganam o povo¿, denunciou.

Segundo semestre As empresas de transporte rodoviário interestadual operam no regime de permissão especial. A maioria dessas licenças foi concedida pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) ¿ órgão antecessor à ANTT. Até o fim do ano passado, o governo podia prolongar tais concessões por um período de até 15 anos. Mas o Senado e a Câmara revogaram o artigo que permitia a renovação. Como as autorizações vencem ainda neste ano, a licitação terá que ser feita a qualquer custo.