Título: Protocolo de Kyoto e a tributação dos créditos de carbono
Autor: Mattos de Oliveira , Marcio
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Legislação & Tributos, p. E2
A tributação sobre as operações de comercialização dos certificados de emissões reduzidas (CERs), popularmente conhecidos como créditos de carbono, já começa a levantar uma série de questionamentos no Brasil, tanto por parte do fisco quanto pelos detentores destes títulos. A princípio, a primeira constatação importante é de que este assunto se insere em um contexto da posição do Brasil como signatário de um instrumento internacional - o Protocolo de Kyoto - com princípios e diretrizes específicas que, dentro do melhor entendimento das regras de direito internacional, devem ser observadas.
Em sentido oposto, a Secretaria da Receita Federal da 9ª Região Fiscal, dentro de uma análise eminentemente técnica, no Processo de Consulta nº 59, de 2008, decidiu que as operações de alienação dos certificados de emissões reduzidas estão sujeitas à cobrança de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e isentas de PIS e Cofins. Malgrado a decisão produzir efeitos somente para o contribuinte que formulou o questionamento, não se pode desconsiderar que já existem fortes indícios da posição a ser adotada pelo fisco.
Ao analisarmos a questão, observamos que a principal função dos certificados de emissões reduzidas é a de financiar ou compensar, no todo ou em parte, os projetos de redução de emissão de gases do efeito estufa dos países em desenvolvimento e signatários do Protocolo de Kyoto, por meio da implementação tecnológica da sua produção, visando ao equilíbrio das emissões em nível mundial. Esses projetos podem ser os mais diversos, tais como a construção de fontes geradoras de energia limpa, o seqüestro de carbono por meio do reflorestamento, a captação de gás metano na criação de suínos, a implementação tecnológica de um parque industrial ou quaisquer outros mecanismos que, efetivamente, evitem ou reduzam a emissão destes gases. A receita gerada com os certificados de emissões reduzidas é um fator determinante para a viabilização do projeto, financiando boa parte do seu custo que, dentro do espírito do protocolo, representa uma verdadeira parceria entre os agentes públicos e privados na busca da redução de emissões dos gases poluentes.
É importante salientar que dentre os princípios e diretrizes do Protocolo de Kyoto estão o compromisso dos países desenvolvidos em prover recursos para a implementação dos projetos de redução de emissões nos países em desenvolvimento, a promoção e o financiamento para o acesso a tecnologias ambientalmente seguras, um ambiente propício no setor privado visando à transferência de tecnologia e, por fim, a divisão adequada do ônus de implementação destes projetos entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
-------------------------------------------------------------------------------- Qualquer oneração sobre os créditos viola as diretrizes e princípios do protocolo, que foi recepcionado no Brasil --------------------------------------------------------------------------------
Ao analisarmos o artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, em conjunto com o artigo 98 do Código Tributário Nacional (CTN), verificamos a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária, o que também foi ratificado em diversos acórdãos do Supremo Tribunal Federal (STF). Quer nos parecer, em uma primeira análise, que haveria a necessidade de promulgação de leis específicas visando à concessão de isenção tributária a estes títulos. Não caberia ao fisco neste momento um juízo de valor acerca da questão, tanto em razão do seu caráter supranacional, quanto pela inexistência de uma norma explícita prevendo esta isenção no tratado.
Por outro lado, sob o ponto de vista do direito internacional, qualquer oneração sobre os créditos, como no caso da cobrança do IRPJ, viola as diretrizes e princípios do protocolo, cujo inteiro teor foi recepcionado no Brasil. Quaisquer cobranças representariam um forte elemento inibidor à consecução de projetos de redução de emissões, assim como tornariam o protocolo um instrumento inócuo, pois diminuiria a entrada de recursos dos países desenvolvidos, dificultariam o acesso a processos de produção ambientalmente seguros dentro de uma visão de desenvolvimento sustentável e, ainda, criariam um clima de incerteza no mercado, prejudicando novos investimentos.
É importante lembrar, no entanto, que, do ponto de vista técnico-jurídico, o entendimento da Receita Federal é pertinente, já que não cabe a ela observar os princípios e diretrizes gerais do Protocolo de Kyoto, mas tão-somente as normas de caráter específico, o que parece não ser o caso dos princípios esculpidos no documento.
Ao legislador cabe a função de aplicar o protocolo de fato, procurando aprovar, o quanto antes, leis que legitimem a concessão de isenção tributária nas operações com os certificados de emissões reduzidas e, assim, facilitar o compromisso brasileiro de redução (ou pelo menos o equilíbrio) das emissões de gases do efeito estufa gerados.
Felizmente, já existe no Congresso Nacional um movimento que visa a regulamentar o assunto. Três projetos de lei de autoria dos deputados Eduardo Gomes (PSDB-TO) e Zequinha Marinho (PMDB-PA) - os Projetos de Lei nº 493, 494 e 1.657, de 2007 - visam isentar estas operações do PIS e da Cofins, do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O mais importante é que os aspectos sócio-ambientais que envolvem o tema fazem parte da atual agenda mundial e, com certeza, podem ser determinantes para o desenvolvimento tecnológico sustentável do nosso parque industrial e da contribuição do Brasil no processo de redução de emissões mundial.
Marcio Mattos de Oliveira e Gilberto de Castro Moreira Junior são advogados e, respectivamente, responsável pela área ambiental, de infra-estrutura e energia e tributarista do escritório Pompeu. Longo, Kignel, Cippulo Advogados
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