Título: Mudança de patamar
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 05/05/2008, Rumos da Economia, p. F1

No momento em que se consolida o crescimento sustentado da economia brasileira, em meio a novas pressões inflacionárias e um cenário internacional adverso, a promoção do país a grau de investimento, pela agência internacional de rating Standart & Poor's, é motivo de comemoração. Mas, ironicamente, é razão também para uma boa dose de preocupação no governo. A grande pergunta, que ainda é cedo para responder, é: para onde vai a taxa de câmbio?

O grau de investimento poderá produzir o ingresso de uma enxurrada de dólares no país, valorizando ainda mais o real. Ao mesmo tempo, as contas externas começam a mostrar uma rápida deterioração, o que joga a favor da desvalorização da moeda. No governo, há forte expectativa de que o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que no primeiro trimestre somou US$ 10,757 bilhões (no acumulado de doze meses) e em abril ultrapassará os US$ 12 bilhões recém-estimados pelo Banco Central para o ano todo, vai acabar levando o mercado a desvalorizar o real. É questão de tempo.

Simultaneamente, um outro desafio se coloca e, neste, câmbio e juros se imbricam numa delicada equação. Para controlar a inflação, o Banco Central elevou a taxa de juros em 0,5 ponto percentual no mês passado, iniciando um novo ciclo de aperto monetário. O que se pretende, com a elevação da Selic para 11,75% ao ano, é jogar água na fervura do consumo sem, porém, esfriar as decisões de investimentos que vão aumentar a oferta de bens e serviços na economia e, portanto, determinar o crescimento futuro. Ao aumentar os juros, no entanto, o BC aumenta o diferencial entre os juros domésticos e as taxas internacionais, atraindo, com o ganho de arbitragem, ainda mais investimentos externos e, portanto, acentuando a valorização do câmbio.

A demanda doméstica, embalada pela expansão do crédito, pelos programas de transferência de renda e pelo aumento real do salário-mínimo, cresce a taxas próximas a 8%. A oferta, dada pelo aumento do investimento, também aumenta de forma substantiva, mas sobre uma base ainda baixa. O divórcio entre o consumo e a oferta cria pressões inflacionárias indesejáveis, numa conjuntura em que o mundo enfrenta aumento dos preços dos alimentos e o preço do barril de petróleo já bateu na casa de impensáveis US$ 120,00 no mercado internacional.

Para abastecer o mercado interno, onde milhões de brasileiros passaram a fazer parte do mundo do consumo, as importações crescem a exuberantes 42%. As exportações têm evoluído, mas a taxas bem mais modestas, de 14%, e o saldo comercial começa a minguar. Com isso, o superávit que o país ostentou nas contas de transações correntes do balanço de pagamentos nos últimos cinco anos transformou-se rapidamente em déficit.

O dólar barato encarece as exportações e torna mais em conta as importações, deixando o Ministério da Fazenda em estado de alerta permanente. Decidido a manter o tripé macroeconômico que até agora assegurou estabilidade da economia - taxa de câmbio flutuante, superávit primário das contas públicas e regime de metas para a inflação - o governo tenta, com medidas periféricas, como a introdução do IOF de 1,5% sobre o ingresso de investimentos em renda fixa, conforme medida adotada em março, conter a valorização da moeda. E busca, na construção de uma nova política industrial, que deve ser anunciada dia 12, dar fôlego a segmentos que, sem o câmbio desvalorizado, perderam competitividade no mercado global.

O que está em questão é a decisão estratégica do governo Lula de não permitir que o Brasil volte aos tempos deficitários do balanço de pagamentos, quando viveu elevado grau de vulnerabilidade externa e dependência de capitais externos; e a determinação de manter a produção industrial não só estimulada pelo crescimento da demanda interna, mas competitiva no exterior

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deixou claro a seus ministros que não permitirá que a inflação reapareça, furando a meta (de 4,5% com 2 pontos percentuais de tolerância para cima ou para baixo em 2008 e 2009) neste e nos próximos anos. Lula pretende chegar às eleições presidenciais de 2010 com a inflação sob estrito controle e as contas externas em equilíbrio.

As pressões sobre a inflação, porém, são crescentes. De forma simultânea à crise das hipotecas de alto risco da economia americana, que ainda pode jogar a maior economia do planeta em recessão, surgem novos focos de aumento de preços vindos dos alimentos e de outras commodities. Os elevados custos das matérias-primas passaram a andar ao lado da pesada carga tributária e da valorização do real como uma das principais dificuldades do setor privado.

Sem grande ajuda da política fiscal para reduzir a demanda agregada e, portanto, as pressões sobre a inflação, o Banco Central, encarregado de cumprir a meta de inflação para este e para o próximo ano, usa da arma que dispõe para frear a escalada dos preços: os juros. O grau de investimento recém-conquistado representa um espaço adicional para a redução dos juros básicos, na medida em que um dos componentes da taxa Selic é o prêmio de risco, que agora deverá cair mais. Mas a função dos juros, nesse cenário, é reduzir a demanda e, com isso, a inflação.

Nove em cada dez economistas do setor privado recomendam ao governo maior rigor fiscal para lidar com essa situação. É fato que o superávit primário foi robusto no primeiro trimestre e houve mesmo um superávit nominal, o que significa que o dinheiro economizado pelo governo foi mais do que suficiente para pagar os juros da dívida pública que venceu no período e ainda gerou um troco de R$ 4 bilhões. Não há dúvida de que o superávit primário prometido para este ano será cumprido. Mas também é verdade que o gasto corrente do governo cresce dia a dia. Embalada por um crescimento espetacular das receitas tributárias, a política fiscal, expansionista, pode estar andando na contramão.