Título: O acordo possível
Autor: Machado, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 17/02/2011, Economia, p. 16
Os ministros de finanças das maiores economias do mundo, unidas no Grupo dos 20 (G-20), reúnem-se este fim de semana, em Paris, com muita polêmica. Como de hábito, haverá alguma tensão, ampla cobertura de imprensa e nenhum resultado. Será apenas retórica e jogo de cena.
A economia global começa a sair da crise, o que está em curso aos trancos e barrancos e com tudo o que a gerou varrido para baixo do tapete, à revelia dos nobres propósitos do G-20 ¿ uma instância de discussão entre os países avançados e os emergentes criada em 1999 como resposta às crises em série ao longo daquela década. Pouco ou nada produziu de útil, afora reconhecer que o antigo fórum do G-8, com EUA na cabeceira da mesa, já não mandava no resto do mundo.
Esse G-20 até então sem a presença de chefes de governo, reunindo apenas ministros de finanças e presidentes de bancos centrais, foi reformado no fim de 2008, quando Wall Street ruía ¿ e o fantasma da depressão dos anos de 1930 parecia ter ganhado vida ¿, para ser o grande fórum dos problemas econômicos do mundo. O embrião de uma governança mais efetiva que a da Organização das Nações Unidas.
O ideário do G-20 continua na teoria. As ações organizadas contra os efeitos do colapso do crédito no mundo ou resultaram de medidas unilaterais, como quando o Federal Reserve franqueou a uma seleção de países, Brasil entre eles, linhas de crédito emergenciais, ou foram decisões soberanas individuais. Concertado não houve nada.
E mesmo a reforma dos padrões de risco do sistema bancário é mais obra de negociações no Bank for International Settlements (BIS) ¿ uma coalizão dos bancos centrais de 56 países ¿, cujas normas são conhecidas como ¿Acordos de Basileia¿, em referência à cidade da Suíça em que está sediado, que a um tratado combinado no G-20.
O chamado Basiléia-3, que reforça a contabilidade prudencial dos grandes bancos no mundo, incluindo aqui Banco do Brasil, Bradesco e Itaú, formalmente surge por demanda dos chefes de governo do G-20. De fato, é consequência das articulações dos bancos centrais, cujo âmbito de discussão, no BIS, nada tem de retórico, atendo-se às questões técnicas, com aplicação soberana e alcance global. Os gatos de Sarkozy Faça-se agora um corte rápido e vamos à agenda parisiense do G-20 neste ano, em que a sua direção rotativa é do presidente da França, Nicolas Sarkozy. Nela, tem a espuma da vez ¿ a proposta de Sarkozy para o G-20 controlar os preços das commodities agrícolas ¿, e a reprise da crítica à supremacia do dólar como reserva de valor e meio de pagamento. O mesão do G-20 gostaria que o privilégio fosse partilhado com outras moedas. Mas ninguém se atreve a atirar o pau no gato. Uma agenda dessas sugere que consenso só haverá quanto à excelência do vinho francês no jantar oficial de sábado à noite.
Seis por meia dúzia A crítica ao dólar, depois de exatos 40 anos de lambança dos EUA com a sua moeda, quando o governo Nixon rompeu a conversibilidade em ouro, faz todo sentido. Não se vê opções, com o euro em crise de identidade, o iene sem horizonte, a libra como recordação de quando o sol nunca se punha sobre o Império Britânico e moedas das potências emergentes, como China, Índia e Brasil (sim, Brasil, por que não?), inconversíveis e alvos de manipulação disfarçada.
Mude-se isso e o dólar não estará mais sozinho. Mas a China topa, como querem os EUA, valorizar o renminbi? E o Brasil? O ministro Guido Mantega vai ao G-20 levando a proposta de fazer do Direito Especial de Saque (DES), moeda escritural do FMI, uma sombra para o dólar. Bacana. Só que o DES não circula. É uma cesta de moedas que reúne o dólar ao euro, o iene e outras menos cotadas. E nela o dólar é carro-chefe. Seria como trocar seis por meia dúzia.
Por qué no te callas? E o choque de preço dos alimentos, que turbina a inflação e põe em risco a estabilidade de governos, principalmente os mal-amados? O governo brasileiro se aliou aos EUA e Argentina, também celeiros mundiais, para dizer algo assim a Sarkozy: Por qué no te callas?
A agricultura francesa é a mais protegida na Europa. Ao associar a alta de preços à segurança alimentar, o plano de Sarkozy atenta contra o agronegócio eficiente, caso do Brasil, desviando o foco.
Mantega vai dizer ao G-20 que a resposta a choques de preços é o aumento da produção. O G-20 é um fórum superior ao da velha ordem, quando EUA e ex-União Soviética mandavam e o resto seguia. Mas é um projeto em construção que por ora não permite nenhuma ilusão. Bola entre as pernas A diplomacia brasileira passou os últimos anos procurando sinais de solidariedade internacional que só ela enxergava, o que, ainda que não tenha implicado em prejuízos graves aos interesses nacionais, não trouxe resultados concretos. Seu maior mérito foi ter tornado o país mais percebido no mundo. Mas decisões, como reconhecer a China como economia de mercado durante a visita do presidente Lula a Pequim, se mostraram precipitadas. A China não atendeu sua parte nesse compromisso, e o Brasil enrola desde então o que prometera.
Ainda agora, com um brasileiro na direção da FAO, o braço da ONU contra a fome, se aceita sem discussão pesquisas indicando que o aumento de preço seria recorde, quando, em base histórica, nunca se superou a relação de troca com os manufaturados exportados pelo mundo rico. E agora pela China. Isso é tomar bola entre as pernas.