Título: A Europa não sai do lugar
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Opinião, p. A15

Oenfraquecimento do dólar face ao euro é um movimento que, à primeira vista, faz com que se imagine o seguinte panorama: a economia dos Estados Unidos vai mal, enquanto que a economia européia vive momentos de exuberância. Mas não é isso o que acontece. Malgrado os números nada alentadores dos chamados déficits gêmeos nos Estados Unidos - representados pelos desequilíbrios na área fiscal e na conta de transações correntes - fato é que o PIB norte-americano cresceu 4,4% em 2004, mas o da Europa não passou dos 2%, e isso graças ao bom desempenho da economia britânica que, por acaso, está fora da zona do euro. A questão, vista de modo prático e objetivo, é que a Europa não consegue sair do lugar e a valorização do euro é um empecilho ao crescimento da região. O motivo é simples. Amarrados em boa parte a uma legislação emperrada no campo das relações trabalhistas, e sem muito avanço no campo da pesquisa da tecnologia de ponta, os países europeus, em sua grande maioria, - e a Alemanha é o carro-chefe, ainda padecendo dos efeitos e custos da unificação - perdem fôlego nas exportações, justamente o setor que impulsionou o crescimento da União Européia até o mundo começar a desconfiar que algo de potencialmente complicado paira no horizonte da economia norte-americana. A valorização do euro diante do dólar parece ser antes, portanto, um reflexo das expectativas ruins que se lançam sobre o futuro dos Estados Unidos, do que um sinal de robustez da economia européia. Um bom apanhado do que isso representa foi feito pelos economistas Dionísio Dias Carneiro e Yanin Grandjean, da PUC do Rio, na edição da Carta Galanto, referente a janeiro. Os autores partem de uma estimativa para a curva IS - investimento e poupança - para a região da União Monetária Européia ou UME (Grã-Bretanha e outros poucos países não aderentes ao euro ficam de fora). Deixam claro que a curva IS tem a função de resumir as decisões intertemporais de consumo e de investimento "dadas as condições presentes e esperadas para os juros e o câmbio reais (descontado o efeito da inflação)". Utilizam dados trimestrais observados no período entre o primeiro trimestre de 1995 e o terceiro trimestre de 2004, considerando as seguintes variáveis: PIB real da zona do euro; juros médios (taxa de depósito overnight ao ano); PIB real dos EUA; diferença da taxa de câmbio real bilateral euro/dólar corrigida pelo índice de preços ao consumidor das duas moedas, além de levarem em conta os efeitos da bolha da Nasdaq no quarto trimestre de 2000. Tudo isso mastigado, chegaram à conclusão de que para cada 10% de depreciação real do euro, mantidas as demais variáveis constantes, ocorre o aumento de 0,4% na taxa de crescimento trimestral do PIB da zona da UME. Pode-se daí inferir que, visto por outro ângulo, a apreciação da moeda européia face ao dólar explica parte da dificuldade da zona do euro em crescer com mais vigor.

A valorização do euro diante do dólar é antes um reflexo das expectativas ruins sobre os EUA, do que sinal de robustez da economia européia

Dionísio e Grandjean observam que, como dizem os livros-textos, os efeitos das depreciações cambiais são expansivos mesmo no curto prazo. Mas não apenas o câmbio influencia. Também o comportamento econômico dos parceiros comerciais tem influencia sobre a atividade interna. No caso do coeficiente relativo ao crescimento externo, representado pelo desempenho da economia norte-americana, foi detectado que é bastante elevado: explica, segundo os autores, 37% do crescimento total europeu no período analisado. Através de exercício contrafactual, os autores tentaram reconstituir as taxas de crescimento que teriam sido registradas na Europa nos últimos três anos, caso não tivesse ocorrido a apreciação real do euro nos últimos anos. A relação, diga-se, não é linear e, portanto, o resultado obtido para o efeito da apreciação em um ano (de 10% de câmbio para 0,4% de PIB) fica diluído ao longo de um tempo maior de observação. Isso se explica pelas sazonalidades e também pelo efeito de impactos externos e internos outros, que afetam a atividade através do câmbio. Assim, descobriram Dionísio e Granjean - recomendando certa cautela na interpretação dos resultados - que de 2002 a 2004 a zona do euro teria deixado de crescer cerca de 1,7% em conseqüência da apreciação da moeda local face ao dólar. Mas, como já se comentou acima, além do câmbio, atividade econômica dos parceiros externos também influencia no comportamento do PIB. Chama-se a isso de elasticidade-renda. Ou seja, quanto que o crescimento de um país ajuda a explicar o crescimento de outro pela via do comércio externo. No caso do estudo em questão chegou-se a uma relação de 0,37 da elasticidade da renda entre Estados Unidos e UME: cada 1% de queda no crescimento da economia norte-americana significaria queda de 0,37% no PIB da zona do euro. Isso indica, como notam os autores, que um ajuste feito pela via da retração da demanda interna norte-americana pode ser mais custoso do que um ajuste promovido pelo câmbio. Nesse ponto, eles fazem um parênteses ao notarem a pouca reação obtida até aqui das contas externas dos Estados Unidos ao ajuste de preços (esse que tem envolvido a depreciação do dólar frente às demais moedas fortes do mundo e também das menos fortes), e que isso reforçaria a visão de que uma retração da demanda interna norte-americana se torna então necessária para garantir o reequilíbrio do sistema financeiro internacional. Se isso é verdade, se esse é o caminho, então a perspectiva para a Europa do euro, em termos agregados, fica ainda mais sombria em termos de crescimento. No desagregado, embora a moeda seja a mesma, há características específicas que afetam mais a uns do que a outros. A corrente de comércio que cada país-membro tem com o mundo fora da zona do euro - ou seja, quanto mais aberto em termos comerciais - desempenha papel importante e ajuda a explicar a maior vulnerabilidade dessas economias no curto prazo, em termos de crescimento, aos efeitos da apreciação do euro. Ou seja, a retração do PIB aqui tende a ocorrer mais violentamente. Já países como a Alemanha e a Itália, que têm puxado para baixo a média de crescimento da Europa, continuam na verdade patinando no mesmo terreno: a apreciação do euro opera no sentido de frear qualquer perspectiva de crescimento mais acelerado.