Título: China toma espaço da indústria do Brasil nos EUA e UE
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Especial, p. A16
As empresas brasileiras estão perdendo mercado para a China nos Estados Unidos e na União Européia, regiões que absorvem metade das exportações do país. A perda é mais expressiva nos produtos manufaturados e atinge setores relevantes como automotivo e siderúrgico. A recente valorização do real está agravando a situação, avaliam economistas. Dada a escala de produção dos chineses, os empresários brasileiros começam a acreditar que uma crescente perda de participação no exterior é inevitável. "Só resta rezar", diz Carlos Loureiro, presidente da Rio Negro, distribuidora da Usiminas. Ele estima que a China pode ter ultrapassado o Brasil na venda de aço para os EUA no ano passado. Os dados de exportação da China em 2004 ainda não estão disponíveis. Estudo elaborado pela consultoria MB Associados demonstra que o Brasil está perdendo participação nos EUA em produtos nos quais possui tradição exportadora, como equipamentos de transporte, veículos, ferro e aço, máquinas, produtos químicos e plásticos. Em 1999, as exportações brasileiras para os EUA nessas áreas eram 4% menores que as chinesas. Em 2003, foram 43% inferiores. É fácil de explicar: entre 1999 e 2003, as exportações de manufaturados do Brasil para os EUA cresceram 59%, para US$ 18,96 bilhões; as da China subiram 86%, para US$ 163,25 bilhões. A China está ocupando o mercado brasileiro no exterior apesar do bom desempenho da balança comercial nos últimos dois anos. "Não adianta apenas olhar no retrovisor. A evolução das exportações brasileiras é positiva em valores absolutos, mas há concorrentes se posicionando melhor do que nós", alerta Mônica Baer, economista da MB. Com mão-de-obra barata e uma indústria mais produtiva, a China está deslocando concorrentes em todo o mundo. O país também conta com um câmbio artificialmente desvalorizado em relação ao dólar. Para o mercado europeu, a diferença de fôlego exportador entre os países é gritante. Em 1999, a China exportava US$ 7,18 bilhões em manufaturados para a UE, menos que os US$ 11,5 bilhões do Brasil. Passados cinco anos, as exportações brasileiras cresceram 33%, para US$ 15,34 bilhões, e as chinesas, impressionantes 936%, para US$ 74,45 bilhões. Na Europa, o Brasil está perdendo fatias em setores de ferro e aço, madeira, móveis, alumínio e veículos. Nessas áreas, as exportações brasileiras foram quase 70% menores do que as chinesas em 2003. A diferença era de 30% em 1999. Para os autores do estudo, Mônica Baer e Sérgio Vale, a situação pode ter piorado em 2004 por conta da valorização do real. Eles explicam que os produtos manufaturados são os mais afetados pelas variações do câmbio e que o yuan chinês está artificialmente desvalorizado. Os economistas ressaltam, no entanto, que o diferencial competitivo da China está na sua "agressiva" política de comércio exterior e nos altos investimentos feitos pelo país na última década. É o caso da siderurgia. Estima-se que a China tenha investido entre US$ 300 bilhões e US$ 350 bilhões no setor nos últimos 12 anos. A produção de aço do país saltou de 82 milhões para 272,4 milhões de toneladas no período. A China fabrica hoje quase 10 vezes mais aço que o Brasil, que é o seu principal fornecedor de minério de ferro. Segundo o estudo da MB, as exportações brasileiras de aço para os EUA caíram 1% entre 1999 e 2003, enquanto as da China aumentaram 30%. Loureiro, da Rio Negro, explica que o aço chinês tem mais facilidade para entrar nos EUA porque não enfrenta os mesmos processos antidumping que o brasileiro. Para o executivo, a China é a grande preocupação do setor nos próximos anos. "Eles vão atuar de forma predatória ou adotar uma política de preços consistente?", questiona. O levantamento da MB também detecta perda de participação das máquinas e equipamentos brasileiros no mercado americano. Para Newton de Mello, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a indústria chinesa é uma ameaça e está se modernizando rapidamente. "No dia em que o mercado chinês esfriar, essa produção irá toda para o mercado externo. Mas isso não vai acontecer de uma hora para outra", diz. Mello está satisfeito com as atuais exportações do setor para os EUA, que atingiram US$ 1,8 bilhão em 2004, alta de 24% ante 2003. Ele explica que o mercado americano está estagnado, mas que o Brasil desalojou outros fornecedores, principalmente europeus, que perderam competitividade com a valorização do euro. "Certamente os chineses estão fazendo a mesma coisa numa velocidade muito maior", pondera. O estudo da MB não detecta perdas expressivas para as exportações de têxteis, calçados e móveis nos últimos cinco anos. Mônica Baer acredita que esses setores, que são muito sensíveis ao câmbio, ganharam competitividade após a desvalorização de 1999. Mas essa vantagem pode estar sendo revertida com a recente alta da moeda. Paulo Santana, diretor de marketing da Azaléia, admite que a empresa perdeu participação para os chineses. Em 2000, o mercado americano absorvia 40% das exportações da empresa. Hoje, representa 10%. A saída foi diversificar e aumentar vendas para México e Argentina, países que adotam barreiras aos calçados chineses. "Diminuímos as vendas nos EUA porque não tínhamos preço. A competitividade dos chineses é inquestionável", diz Santana. Ele explica que os calçados chineses são atualmente de boa qualidade e a única saída é investir em marketing. Para o diretor da Azaléia, a valorização atual do real piora a situação. Por conta do câmbio, a empresa reajustou os preços em 10% no início de ano e perdeu contratos. (colaborou Ricardo Balthazar)