Título: BC faz sexta alta seguida no juro
Autor: Luiz Sérgio Guimarães e Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 17/02/2005, Finanças, p. C1

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou ontem a taxa básica de juros, a Selic, em 0,50 ponto percentual, de 18,25% para 18,75%, confirmando consenso dos analistas. Foi a sexta alta consecutiva dos juros. Da reunião de setembro até ontem, a Selic já subiu 2,75 pontos percentuais. E a sinalização do Copom é de que continuará subindo a Selic na reunião de março, marcada para os dias 15 e 16, no mesmo ritmo de 0,50 ponto. A indicação de que não será interrompido o ciclo de aperto veio sob a forma da repetição, palavra por palavra, do mesmo comunicado pós-Copom distribuído ao término das últimas quatro reuniões. "Dando prosseguimento ao processo de ajuste da taxa de juros básica, iniciado na reunião de setembro de 2004, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa Selic para 18,75% ao ano, sem viés", foi a nota de ontem. Em relação aos anteriores, só mudou a taxa. A Selic fixada ontem é a maior desde outubro de 2003, quando estava em 19% ao ano.

Economistas ouvidos pelo Valor analisaram que as alternativas do governo ao aumento de taxa de juros estão escasseando. Na opinião de Marcelo Allain, professor do curso de MBA da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ou o BC flexibiliza a meta de inflação ou o governo promove um forte corte de gastos, do contrário a alta da Selic continuará tendo efeitos pouco importantes na inflação. "A meta é muito apertada", afirma Allain, explicando que a taxa de juros não tem tido a eficácia esperada pelo BC, de frear a economia e os preços. Isso porque "há pressões que não se combate com juros", que são relacionadas à alta dos preços administrados. Estes preços sobem todo ano pela variação do IGP-M, "chova ou faça sol", e têm um peso de cerca de três pontos percentuais sobre um índice de inflação (meta para 2005) de 5,1%. "Da meta de 5,1%, um terço já está dado", analisa Marcelo Allain. Ao mesmo tempo em que tem pouca eficácia sobre os preços, a alta da Selic provoca um "efeito colateral" negativo: a apreciação cambial. "A valorização do real está atraindo capital estrangeiro de maneira exagerada por causa dos juros altos", diz Allain, lembrando que isso se deve ao fato de que "só o BC brasileiro está subindo juros, ao contrário dos bancos centrais de outros países". A tese do corte de gastos é defendida também pelo economista Celso Cláudio Grisi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Para Grisi, o país não tem uma pressão inflacionária de demanda - já que, a despeito da queda do desemprego, a renda do trabalhador não tem aumentado. O problema, diz o economista da FEA/USP, "é a gastança (do governo) que não abre espaço para a redução de juros". Grisi é de opinião que o governo tem que avançar na reforma fiscal com redução de despesas de custeio e racionalização dos investimentos ("levar em frente só aqueles socialmente inadiáveis e concluir obras inacabadas"). Do ponto de vista de política monetária, Grisi acha que não há mesmo outra alternativa a não ser subir os juros e diz que o BC deveria até recorrer a medidas mais radicais. "O país está crescendo e isso, por si só, causa inflação. A taxa de juros já está em um patamar que começa a se esgotar. Temos que tomar outras medidas como a elevação do compulsório e o confisco cambial (retenção de parte dos dólares que entram no país pelas exportações e os investimentos em mercado)". Para o consultor Miguel Daoud, da Global Financial Advisor, os juros brasileiros, os maiores do mundo em termos nominal e real, "aniquilam o setor produtivo, essencial na geração de renda e de emprego". O BC não pode, em sua visão, ser o único combatente dentro do governo contra a inflação. O BC só pode, nesse sentido, subir ou baixar o juro, nada mais. E atacar uma inflação que não é de demanda com aperto monetário vigoroso é o mesmo que "apagar incêndio com gasolina". O consultor defende um esforço concentrado do governo. Por meio de três decisões: redução dos gastos de custeio do governo em no mínimo 15%; isenção de todos os tributos incidente sobre produtos importados essenciais no aumento da oferta aos setores que estão provocando a inflação de oferta; e utilização do BNDES no direcionamento de investimentos aos setores capazes de ampliar a oferta de produtos, principalmente siderúrgicos, hoje os vilões da inflação. O economista-chefe do Banco Pátria, Luis Fernando Lopes, diz que a eficácia da política monetária é muito baixa. O próprio Copom não sabe qual seria o juro nominal a partir do qual a inflação iria convergir efetivamente para a meta de 5,1%. Por isso, as altas graduais. Ele sobe o juro todo mês em 0,50 ponto para colher os sinais que o levariam a interromper a alta. Esses sinais seriam a queda da inflação corrente, ou da expectativa de IPCA das instituições ou uma inclinação favorável da estrutura a termo de juros. Com isso, reduz seu risco de errar. Se desse uma pancada de uma vez só, jogando a Selic para, por exemplo, 22% poderia exagerar na dose e provocar uma desaceleração danosa à economia. "Seria preferível sacrificar a meta de inflação do que o crescimento econômico", compara Lopes. O economista não tem dúvida de que é isso o que o BC fará em junho se até lá os sinais não forem positivos. Para efeito de calendário, o BC tem apenas o primeiro semestre para domar a inflação. Para Lopes, a eficácia da política monetária é baixa porque o crédito livre, afetado por ela, representa apenas 30% do PIB. E porque a dívida pública indexada a Selic é muito alta, de 56% do total. O Tesouro deveria trocar essa dívida por papéis prefixados, mais sensíveis à política monetária. O diretor-superintendente do Banco Fibra, João Rabêllo, acredita que logo a política de elevação de juros produzirá resultados positivos contra a inflação. Segundo ele, a atividade econômica já está em declínio em resposta ao aperto praticado desde setembro. A demanda por crédito vem se reduzindo. Em breve, os indicadores irão sugerir ao Copom a necessidade de estancar o movimento de alta.