Título: Polêmica dos transgênicos deve migrar para árvores
Autor: Chiaretti ,Daniela ;Barros , Bettina
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2008, Agronegócios, p. B11

A nova polêmica que envolve os organismos geneticamente modificados, o nome mais chique dos transgênicos, deve migrar das sementes de milho, soja e algodão e atingir árvores inteiras. É uma das discussões que promete esquentar a agenda da megaconferência sobre biodiversidade das Nações Unidas que começa no próximo dia 19, em Bonn, na Alemanha.

Na COP-9, o evento que reunirá representantes de 200 países, o espaço que se quer dar à existência de árvores transgênicas no mundo deve criar outra trincheira política entre países desenvolvidos (com recursos e tecnologia em pesquisa) e os em desenvolvimento. Não há, ainda, nenhuma árvore transgênica no mundo explorada comercialmente. Mas países africanos, apoiados por várias ONGs, já pedem a moratória da pesquisa em torno a estas árvores. Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina se alinham no front oposto. A União Européia fica no meio do caminho - quer manter a janela aberta para as pesquisas, é contrária à moratória, mas defende fortemente o princípio da precaução previsto no Protocolo de Biossegurança, mais conhecido como Protocolo de Cartagena. Esta é basicamente a posição defendida pelo Brasil.

"Árvores são seres perenes e de grande longevidade. Fazem parte da paisagem. É difícil imaginar que uma árvore transgênica vá ficar restrita a plantios", alerta Bráulio Dias, diretor do departamento de conservação da biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. "Todo mundo gosta de plantar uma árvore no quintal. O risco das transgênicas é que elas se espalhem muito rapidamente pelo ambiente. Os cuidados devem ser muito rigorosos".

No Brasil, o tema aterrissou há alguns anos na CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Em 2004, o órgão, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, concedeu a primeira autorização à International Paper do Brasil, para o plantio com fins exclusivos de pesquisa.

Hoje, cinco empresas realizam experiências com árvores transgênicas em busca de maior volume de celulose ou de madeira - além da International Paper do Brasil, a Suzano Papel e Celulose, a Arbogen Tecnologia Florestal, a Bioagro (da Universidade Federal de Viçosa) e a Alellyx Applied Genomics, subsidiária da Votorantim. A Monsanto chegou a ter quatro projetos de pesquisa aprovados pelo órgão, que não foram levados adiante devido ao redirecionamento do foco da multinacional para grãos.

Todos os pedidos são para eucalipto. Há ao menos 20 projetos já registrados na CTNBio, cada um olhando para um fator diferente que possa interferir na produção de lignina, como a direção do vento, a insolação sobre as árvores e a distância entre os pés.

-------------------------------------------------------------------------------- Atualmente, cinco empresas realizam no Brasil pesquisas com eucalipto geneticamente modificado --------------------------------------------------------------------------------

Em linhas gerais, a idéia é desenvolver um eucalipto transgênico com teores menores de lignina, um composto produzido pela árvore que lhe garante sua sustentação. Isso tornaria mais eficiente o processo de separar a celulose e fabricar papel.

Dependendo do objetivo, a pesquisa visa reduzir ou elevar através da transgenia a quantidade de lignina produzida pela fotossíntese. "Quanto mais lignina, menos celulose se tira de uma árvore. Ela age como um obstáculo", diz Jairon do Nascimento, secretário-executivo da CTNBio.

As discussões internacionais acontecem no âmbito da CDB, a Convenção sobre Diversidade Biológica, um tratado internacional que regulamenta uma infinidade de temas em torno a um tripé - a conservação da biodiversidade, seu uso sustentável e o acesso e a repartição de benefícios dos recursos genéticos. De dois em dois anos, os países que assinaram a CDB se juntam para atualizar sua agenda, as chamadas COPs. Foi na COP de 2006, em Curitiba, que as árvores transgênicas apareceram, diz o professor Paulo Kageyama, da faculdade de agronomia da Universidade de São Paulo, Esalq/USP. Aprovou-se uma resolução que sugeria a não realização de testes onde existirem comunidades com pequenos agricultores. "A Convenção se manifestou pedindo cautela com o assunto", diz ele.

Kageyama representa o Ministério do Meio Ambiente na CTNBio e explica as preocupações em torno ao eucalipto transgênico. "Perto de 25% do eucalipto plantado no Brasil é feito por pequenos agricultores que trabalham com madeira, mel e óleos essenciais", diz. "Para eles, não interessa esse gene que reduz lignina".

Pela resolução aprovada na CTNBio, a semente de transgênico tem que ser monitorada num raio de cem metros. O monitoramento por pólen (para evitar a contaminação dos eucaliptos pela polinização de abelhas) atinge um raio de mil metros e não podem existir apiários num raio de três quilômetros da pesquisa. As flores também devem ser cotadas para que evitem um indesejável fluxo de genes. "Se contaminar o mel, os apicultores terão dificuldade em exportar seu produto", afirma Bráulio Dias, do Ministério do Meio Ambiente. "As análises de risco têm que ser muito bem feitas". Os embates na COP-9 girarão em torno a quão flexíveis os países podem ser em torno ao que entendem pelo princípio da precaução.